quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O rio faz seu próprio caminho...

Quando eu era pequena, vivia na ponta dos pés espiando e desejando habitar no mundo dos adultos. Na minha incorrigível ideia, adultos sabiam das coisas. Inventavam outras. Então, cresci. Aprendi tudo dos adultos. Aprendi o que desejava e o que nunca quis. E repeti as lições. Adultos franzem a testa. Criam rugas. Andam apressados. Demoram sorrir. Trabalham o tempo todo. Compram muitas coisas. Guardam em armários. Possuem desejos estranhos. Fazem coisas contraditórias. Engordam. Ficam zangados. Adultos possuem problemas reais e imaginários. Tomam remédios sem parar e nunca melhoram. Adultos fazem regras e desobedecem as leis. Guardam dinheiro. Guardam mágoas. Conservam coisas, descartam pessoas. Adultos são cheios de dúvidas. Complicam a vida. Fazem perguntas e não encontram respostas. Adultos brigam por seus dilemas. Aventuram-se pelo conforto. Adultos desamparam quem precisa. Desatam laços. Fazem nós nas situações. Querem ultrapassar limites. Cometem loucuras sem motivos. Falam duramente. Ferem sem necessidade. Adultos perdem o juízo, a calma, a alma. Adultos colecionam medos. Competem inutilmente. Estudam fórmulas, teorias, conceitos, regras e nunca usam. Adultos ficam tristes por qualquer coisa. Preocupam-se a toa. Choram sem razão. Entopem-se de felicidade provisória. Desiludem-se. Não se entendem. Amam por obrigação. Esquecem por suposições. Machucam por ilusões. Passam adiante as responsabilidades. Esquecem das flores. Afugentam os pássaros. Resumem os carinhos. Dispensam a alegria. Com os adultos a folia é silenciosa, os palhaços ficam sérios e o circo dorme. Adultos escolhem pelos olhos e condenam pelo coração. São coisas que aprendi e quero esquecer.


Ita Portugal e Reni Procopio Florentino.


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