Talvez exista um lugar que negamos haver em nós justamente porque nos
pede atenção; e que mais ignoramos quanto mais nos convoca. Um lugar a
guardar nossos vazios. Um cativeiro para as nossas rejeições. Um cárcere
para todos os medos. Um espaço invisível a desabitar-nos por inteiro
desocultado apenas pela inconsciência. A consciência pouco sabe e pouco
desconfia. Acredita no que vê. Magoa-se com a palavra. Apaga se
ameaçada. Sujeita às interrupções. A inconsciência é o palco em que a
vida se ouve mesmo calada. Sabe da lágrima, da culpa, dos nós.
Aguarda-nos no sonho, na palavra, no erro. Espera-nos do lado avesso da
liberdade. Uma liberdade que preservamos às custas deste lugar que
negamos haver em nós e que nos convoca. A liberdade que somente
acreditamos. Aquela que não é. Aquela onde nunca estamos.
Guilherme Antunes
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