terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Meta para o Ano Novo? Ser feliz!

Aproveitando a onda dessa querela natalina, eu fiz minhas listas de desejos, como se isso significasse realização. Eu juro, que ainda acredito em organizar a vida por listas intermináveis de coisas boas a acontecer. Elas nem acontecem, mas e daí? Continuo, para renascer o encantamento com a vida. Faço figa, acredito em roupa branca na virada e vez ou outra no bom velhinho de barba branca e coração generoso. Quando se trata de reacender a esperança no meio de tanto caos, é válido fazer qualquer tentativa ou mico que seja, para adquirir os abusos de liberdade que almejamos. A gente vive abalado diante da inconstância da vida, e fim de ano pode ser bem propicio dar uma esticada nos fetiches que prometem mudar o curso das coisas, por isso, coloque arruda atrás da orelha, vista roupa branca, coma lentilhas. Capriche em qualquer estranha tradição. No entanto, faça por merecer estar vivo. Faça jus ao brilho de cada sol ao amanhecer, a cada som ouvido dos pássaros que sobrevoam sem destino, a cada boniteza da lua, a cada fim de noite em paz. Se empenhe honesto e fielmente constante para que os ventos soprem de forma civilizada em favor dos seus desejos mais íntimos. Insista, com otimismo, único sentimento capaz de não alienar a vida. Contudo, não acredite com tanta certeza na virada dos dias, como promessa de felicidade, mas também não duvide que toda esparrela feita não surtirá nenhum efeito. Quem sabe, isso nos remeta a olhar um pouco mais para dentro da gente e não abandonar a potência positiva que carregamos no peito. 


E finalmente deseje algo de bom a si e para os outros. O grande perigo é acontecer. 


Ita Portugal

domingo, 25 de novembro de 2018

Pra amar, tem que doer um pouco. Porque dói, é uma descoberta, é uma mudança, é um se ver no outro, é um ver o outro exatamente como ele é - e ainda assim amar." ________________________ Clarissa Corrêa

"A vida é muito curta, 
para que se perca tempo 
numa existência medíocre".
Leandro Karnal
Guimarães Rosa dizia: “O que a vida quer de nós é coragem”, e eu concordo plenamente, pois somos a sucessão de escaladas e abismos, somos nossa tormenta e nossa redenção, o início e o fim de nossas inquietações. Travamos batalhas interiores diariamente, e conseguir conduzir nossos pensamentos, emoções e desejos a um lugar de paz é nosso maior desafio. Outro dia assisti a um vídeo do filósofo Leandro Karnal e me encontrei em suas palavras. Ele dizia que o pensamento das mulheres é um pouco distinto ao dos homens no que se refere à zona de conforto. Dizia que os homens são mais inclinados a permanecer na zona de conforto, enquanto as mulheres procuram mergulhar mais profundamente em seus sentimentos e emoções. Resumindo: somos mais inclinadas a questionar, debater, trazer à tona aquilo que não é escancarado mas não pode ser sufocado. Às vezes, para conseguir escalar a cordilheira, a gente precisa recuar um pouco para recobrar o fôlego. Assim também acontece que, às vezes, para seguir em frente, precisamos nos reconciliar com nosso passado, com nossa história. Não temer destampar antigos curativos para que possam ventilar; arriscar cair um pouco para então se levantar; ousar desatar antigos nós para enfim continuar. Olhar para trás e encarar o que doeu, o que feriu, o que machucou não é simples e não acontece da noite para o dia. Muitas vezes passam-se anos até que possamos ter coragem de rever a dor, para que ela não nos defina mais. Permanecer na zona de conforto nos protege, mas não nos ensina a transformar os cacos de vidro em novos vitrais. Às vezes temos que dar um tempo nas linhas retas onde escrevemos nosso presente para rever as linhas tortas que deixamos para trás. Quem sabe assim a gente consiga acertar aquelas pautas também, nem sempre usando a borracha, mas entendendo e perdoando o contorno daquilo que de alguma forma saiu dos eixos. Só assim permanecemos livres e prontos para o que vem pela frente. Eu acredito que, na maior parte do tempo, somos as experiências que vivemos, as pessoas que amamos, as saudades que deixamos, as escolhas que fizemos. Por isso, tudo precisa estar em equilíbrio; qualquer linha solta, mesmo que no início de tudo, pode modificar o desenho final. Muitas vezes preferimos não saber, não lidar com isso, não cutucar o vespeiro. Mas ele está ali. Mesmo que a gente não olhe pra ele, ele continua à espreita. Então é preciso coragem e disposição para sair da zona de conforto. Para ousar retroceder e só então alcançar o cume da montanha…






FABÍOLA SIMÕES

sábado, 17 de novembro de 2018

"Ela foi colecionando, uma lista secreta de músicas românticas, para a eventualidade de aparecer alguém com quem possa ouvi-las e, quem sabe, dançá-las. Felizmente, há músicas que têm esse carácter das coisas eternas."

Gramado RS/ out 2018
Certa vez eu li uma crônica em que o escritor Mario Prata descrevia o desabafo indiscreto de um criado mudo — aquele móvel que fica estacionado num canto de um cômodo qualquer. Na referida crônica, o autor citava um episódio de mudança residencial em que o criado abandonou seu “status mudo” e ao cair no processo de deslocamento, escandalosamente revelou as intimidades que habitava seu interior: como lembranças particulares e nomes de alguns livros nunca lidos. Aparentemente, esta inofensiva peça detêm a função decorativa e/ou acumulativa. No meu caso, a função acumulativa sempre foi adotada e a última gaveta se tornou o destino certo para esconder minha nostalgia e calar a dor sentimental que insiste em — silenciosamente — fazer um estrondo no meu peito. Todas as minhas lembranças fotográficas daqueles anos foram endereçadas para aquele criado, antes mudo, agora desagradável e ensurdecedor. Ontem ele resolveu abrir uma de suas bocas — logo a boca que me faz sofrer — , jogando na minha cara cenas de muita felicidade. Descobri de forma trágica que sentimentos bons não tem prazo de validade e que a lembrança que tanto aflige é um bumerangue, que é lançado ao léu e quando menos se espera, volta com tamanha e assustadora intensidade. Lembrei das juras eternas que enfatizavam nossas conversas e não consegui encontrar o caminho no qual a nossa afinidade se perdeu. Cogitei a possibilidade de rasgar todas as fotos e destruir o maldito movelzinho, mas nossa história tem uma espécie de backup no meu cérebro, que não permite — por mais que eu queira — realizar nenhum tipo de alteração ou remoção. Já pensei em passar diante do seu portão e aguardar seu modo clemente me ofertar aquele abraço tão imaginado e esperado. Também cogitei inúmeras vezes a possibilidade de passar diante de você trajando todas as peças do meu orgulho, omitindo minha genuína tristeza e esbanjando um falso estado de superação. No entanto, tenho absoluta certeza das dores que irei sentir ao reprisar cenas de um passado, outrora mágico e arrebatador. Tentei transferir o conteúdo daquela última gaveta para um cofre secreto, trancá-lo com auxílio de um cadeado sem chaves e calar na base da opressão, memórias  de todo meu arquivo mental. No momento exato abriu-se a primeira gaveta, revelando boleto do cartão de crédito, guia de arrecadação do IPVA e IPTU e aquela gigantesca conta telefônica, prestes a atingir a data limite de pagamento. Neste instante percebi que não adianta ocultar sentimentos — independente da sua intensidade, forma ou origem — , mais cedo ou mais tarde eles vem à tona. Tento administra-los e mostrar a mim mesma que eles são o combustível que impulsiona a vontade de estar viva.

Maldito criado mudo, abrigo das dores ocultas.


Diego Augusto- Adaptado


domingo, 4 de novembro de 2018

"Guardo meu coração para depois, ainda não sei o que fazer com a parte que era tua." _______________________ ___(Cáh Morandi)

Arquivo Pessoal
Você não é novo aqui.  Teu signo. Tuas reticências. O jeito que escreve. Você é meu padrão; minha história gasta. É a mesma casa velha de outrora que ouso decorar com teu nome; com tua cor. Mas que canta outras músicas e já que não consigo te matar, mantenho-te vivo, pois você é a lição que ainda não aprendi. A dor que ainda não superei. É o livro de páginas repetidas em que encontro minha vaidade e minha verdade. E o enredo que é teu, fala de mim. Do outro fruto que colhi, tens o mesmo gosto. Chamo pelo novo e é o velho que ecoa. Reconstruo o passado que se faz presente. E não consigo achar um final para você. Para nós dois. Você é  o mesmo que inevitavelmente me persegue e me encontra, já que andamos em círculo. Por saber meu endereço. Por saber em que canto de mim guardo meus segredos. E você vem sempre do mesmo jeito, mesmo que de outras formas, pra me lembrar que não estou aqui para reclamar, mas para transcender e transbordar.

(Guilherme C. Antunes)



domingo, 28 de outubro de 2018

"Que coincidência é o amor, a nossa música nunca mais tocou." _________________ |Cazuza|

Se tens um coração de ferro, bom proveito.
 O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia...
(Saramago)
Tenho mais silêncios do que segredos. Sou apenas uma resposta atrasada de alguém, a canção inapropriada da madrugada, o livro mais demorado de alguma estante. Sobre mim apenas o distante, o toque que não alcança, a muralha que divide. Ontem eu fui uma menina que fui roubada de sonhos, uma mulher que amadureceu das precipitações sobrepostas. Nem sempre a vida é justa, nem sempre nos devolve as respostas e passamos sendo apenas interrogações. Não tenho conversas interessantes, antes sou um poço de irrelevantes poemas. Tracei um caminho, mas caminhei por um desvio, sempre a própria beira. O que deixarei saber sobre mim é que de alguma forma tenha amado a vida ou alguém, sem detalhes além. Uma mulher não diz quem escolheu para amar. Ela vive um amor a dois, a sós.

Cáh Morandi

domingo, 14 de outubro de 2018

“Porque o meu Reino fica para Além! Porque trago no olhar os vastos céus, E os oiros e os clarões são todos meus! Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!” __________________________________ Florbela Espanca – Versos de orgulho

out/2018
Faixa branca 1 grau
Existe uma mística no jiu-jitsu que eu procuro palavras para descrever, mas eu não consigo expressar o tamanho dos valores intrínsecos neste esporte. Se ele transforma vidas? Com certeza! Num mundo onde parece que alguns valores morais ficam mais distantes dos nossos círculos sociais, o que se aprende dentro de um dojô poderia mudar muitas realidades. E, eu não falo isso só porque eu sou completamente apaixonada pela arte suave não, eu digo isso porque vejo o jiu-jitsu transformando vidas. Honestidade, respeito, autocontrole, disciplina, humildade/modéstia, constância, ética, determinação, tolerância, paciência, entre outros só para começar esta lista. Parem para pensar comigo… E se em cada âmbito da nossa vida as pessoas que nos cercam praticassem mais estes valores citados acima? Eu não sei de onde tiraram que artes marciais são violentas! Se existe um lugar em que crianças aprendem a não usar a luta de forma abusiva ou ofensiva é dentro de uma escola de artes marciais séria. Fico refletindo, imagina só que importante seria se o jiu-jitsu estivesse dentro das grades escolares durante a prática de Educação Física, desenvolvendo crianças mais responsáveis, menos violentas e com valores morais essenciais para o convívio em uma sociedade que gradativamente se tornaria melhor, menos egoísta. Sei que esta é uma discussão longa e não me cabe aqui levantar uma bandeira, mas se ao menos os pais pudessem enxergar o quão valoroso é que seus filhos pudessem usar seus tempos livres em atividades esportivas. Não se trata de gastar energia, mas enriquecer uma criança que está em pleno desenvolvimento do seu caráter. De vez em quando uma pessoa ou outra me diz que eu tenho uma visão meio que utópica da realidade, que eu romantizo demais. Não sei quando o mundo parou de ver as coisas com otimismo, mas talvez seja porque nós, seres humanos, já apanhamos demais da conta com guerras, fomes, tragédias e solidão. Acabamos que, para sobreviver, vestimos armaduras e deixamos a sensibilidade de lado. Mas, não tem que ser assim. Mais amor por favor! E a filosofia da arte suave é exatamente isto, espalhar amor por onde quer que passe. Aprendemos isto desde o primeiro dia de aula ao agradecermos o amigo que rola contigo, emprestando seu corpo como instrumento do seu aperfeiçoamento. É por isso que antes de treinar, nos saudamos e apertamos as mãos e é por isso que ao final também agradecemos. Tem gesto mais bonito do que o seu companheiro de treino emprestar o seu corpo para que você aprenda uma técnica nova? E se em cada gesto pequeno de amor que recebemos por dia das pessoas que convivem conosco, tivemos a humildade de agradecer? A cada bom dia ao chegarmos no trabalho, a cada abraço ao nos despedirmos, a cada gentileza que recebemos dos pais, amigos, namorados… E se apenas agradecermos a estas pessoas por serem boas com a gente? Que tal pararmos de apenas reclamar que é segunda-feira, que tá chovendo, que o dia foi ruim. E se ao invés disso tentarmos enxergar um outro lado, um lado que nos diz que estamos aqui, vivos e prontos para mais um dia de batalha. Somente gratidão. É isso que é jiu-jitsu, na minha modesta opinião. Uma forma de viver melhor consigo e com as pessoas com quem você convive.

Oss
treino 2018


quarta-feira, 3 de outubro de 2018

"E ela não passava de uma mulher...inconstante e BORBOLETA" ........................................................... ( Clarice Lispector)



E aí a menina que costuma espalhar as palavras, nem é mais tão menina... Ficando cada vez mais madura, sofrida e lapidada, cansou de personagens de boa vizinhança. Cansou. Quem gosta dela de verdade, a respeita e ama assim como é. Dias de doçura, gratidão e tudo de bom, mas também dias de revolta, cansaço, esgotamento. Tem dias que é tudo tão verdade que dói. Tem dias que é tudo tão lindo que extravasa. Tem dias que é tudo tão perfeito que dá medo. Tem dias de recolhimento. Tem dias de puro amor. Quem quiser tê-la por perto vai ter que ficar com o pacote completo. Encarar seus dias de fúria, embalar-se nos seus dias de amor e caminhar junto nos dias amenos. Assustaram-se com seus palavrões de desabafo. Esqueceram que ela é de verdade não de mera fachada. Esqueceram que ela prega a verdade, sempre. Quem é sempre bonzinho? Quem não é de verdade. Quem oscila? Os meros mortais que assumem sua vontade de viver tudo e por direito. Por isso, quem é você pra julgar essa menina que cresceu e sabe bem o quer? Antes de qualquer coisa a mais a ser dita, que fique claro: aprenda a amá-la, não a deixe escapar, ela é pra toda vida e na falta de alguém mais sonhado, ela é real.



Ju Moreira

domingo, 23 de setembro de 2018

“Ela é aquilo que ninguém vê. E tudo aquilo que ele gosta. No mesmo frasco, atrás do rótulo.” – _____________ Gabito Nunes

Arquivo Pessoal
“Não sabia direito se devia, se era certo. Mas em nenhuma biografia romântica é possível premeditar acertos ou equívocos, não existem registros ou algo para comparar na mesma existência. A gente faz e vê depois. Não existe pessoa certa ou vida errada. Simplesmente nos impulsionamos em direção ao primeiro sinal de amor compartilhado, alguma fagulha ou sensação que utopicamente nos distancie da morte, rejuvenesça, preste algum significado ao ato natural de trocar o ar dos pulmões.”

Gabito Nunes

Quando do medo se despede, a vida chega com flores... (Gui Antunes)

set/2018
"Desde quando felicidade é destino?' - pensava. As pessoas faziam coisas com ideias exatas de cumprir roteiros como se ao final a felicidade as aguardasse. Como se fosse conquista, como se devêssemos exaurir tristezas para o devido merecimento, como resultado direto de acertadas escolhas. Não conhecia quem houvesse aportado na felicidade. Não conhecia quem a houvesse buscado e pela busca encontrado. Assim, tinha direitos em desviar-se das tristezas. O desvio mesmo lhe era uma pequena felicidade. Como todas as outras felicidades. Pequenas. Como todas as grandes felicidades. Não importava"

domingo, 26 de agosto de 2018

Porque sentimento é assim, sempre sentimos, não importa se é inverno. ____________________________ Bárbara Paloma

Arquivo Pessoal
Ele tem a fórmula que acaba com a minha vontade de fugir. Ele sana todas indagações. Mas ele nunca começa os parágrafos. Ele sussurra tiros. Limpa a cena do crime. Mas ele nunca fica para as explicações. Ele é o motivo da febre. Ele faz café para tomar o remédio. Mas ele se vai depois que estou com 36,5°C. Ele sabe que pode pedir tudo. Ele pode ter o melhor de mim. Mas ele nunca espera os sonhos virarem realidade. Ele é a cura para dor que ela é. Ele segura a minha mão até a dor passar. Mas quando abro os olho ele já não está mais lá. Eu o amo tanto. Não queria que ele fosse embora. Mas não posso pedir para ser dona do que nunca foi meu.




HELIARLY RIOS.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Até que a verdade me trai e eu vejo que tudo isso não passou de um sonho até agora. E sabe, menino, um dia me disseram que viver desejando algo não é jeito bom de ser feliz. ____________________________________ Amanda Armelin

"Às vezes, quando eu digo:
 Eu estou bem,
eu quero alguém para me olhar nos olhos,
me abraçar apertado e dizer:
Eu sei que você não está."
SENTIR FALTA: verbo intransitivo, invariável, singular. Sinônimo de falta de ar. Espectro, perseguição, obsessão. Mente perturbada pela presença constante de uma imagem, figura ou sensação. O mesmo que calafrio, sede, fome, transpiração. Falta de inspiração. Talvez um sim e um não, uma indecisão. Vontade de saber onde está, fazendo o quê e com quem. Ciúme, traição, dependência, necessidade, insônia, Conjuga bem com agonia, companhia, fantasia. Na primeira pessoa do plural não admite separação, rompimento. Risco de progressão, perigo, contaminação. Algo fatal, indenominável, fixação. Oxigênio, sem respiração. Pressão. Desespero. Início de paixão.Tempo que não passa. Pessoa que não aparece. SOLIDÃO.


Bianca Ramoneda, in Só

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

“E se eu plantar amor, será que colho você?” — Letícia Corrêa.

Muitos vivenciam o amor como um rasgo a que a alma se submete intencionalmente para exigir que a mão do amado a costure. O problema é que a mão do outro nem sempre está disponível para esse trabalho: a alma sangra, dói, e os rasgos se expandem… A dor, quando bem resolvida, pode ser um prenúncio de beleza. Mas, para que o belo de fato advenha, é preciso viver a dor, senti-la, tocá-la, integrar-se a ela, e transmutá-la, sabedores de que o vivenciar a dor também é parte do exercício de amor. Já tive muitos castelos desmoronados na poeira dos dias. Quem não os teve? E a dor, nesse caso, é inevitável. Em nossa alma aprendiz, amar é desejar estar ao lado do outro, dentro do outro. É querer ser o outro sem sair de si mesmo. É construir uma redoma de sonho e ali inserir o amado, sob a eterna e vigilante proteção dos nossos olhos. E queremos que o outro caiba exatamente no nosso sonho e viva o nosso projeto de existência. Que ele esteja no cenário que construímos e encene o papel que lhe escrevemos. E, num repente, algum novo vento nos sopra e mostra que o outro não é exatamente o aquele a quem julgamos amar. Percebemos que ele tem segredos e mistérios maiores que pensávamos e ficamos perplexos ao perceber que ele tem caminhos traçados e que quer percorrê-los, muitas vezes, sem nós. Perdemos a voz ao saber que a alma do outro é hóspede e hospedeira de outras almas. E as nossas pernas tremem ao constatar que a redoma era ilusão. Que todo o castelo de amor era ilusório. E a dor chega e castiga e fustiga a alma com cem mil acusações. O que nos sangra, num momento como esse, é a obrigação de desamar. Mas será que isso existe? Os poetas, há muito, já apregoaram que o amor é sempre “para sempre”. Questionaremos as verdades poéticas? Banalizaremos o amor? Faremos dele um bibelô barato e quebrável destinado a adornar, por breves dias, as estantes da nossa alma? Ocorre que somos ainda aprendizes da arte do eterno. O amor não reside senão no desejo da plenitude do outro. Ele não se esmera a não ser no respeito ao outro. Ele não pulsa a não ser para o querer o bem e sonha que o outro, pássaro livre em perfeição de voo, possa vislumbrar, dos cumes de si mesmo, os mais belos sentimentos e paisagens da terra. E assim, quando o outro não mais deseja estar ao nosso lado, isso nos fere e sangra, mas o que nos massacra não é o outro. É desejo egoístico de aprisionar um espírito que também, assim como nós, tem sede de infinitos. Tenho comigo que o que mais dói é a obrigatoriedade que nos impomos, quando o castelo desmorona, de desamar o outro. E embora talvez não o tenhamos amado de fato, fizemos um esboço de amor e é desorientador apagá-lo. Desamar é doloroso demais, porque o desfazimento do amor é contrário à nossa natureza etérea, espiritual, eterna. Devemos, sim, exercitar o desapego; não o desamor. Desejar a liberdade, a integralidade, a plenitude do outro. Compreender que o que dói não é o amor não correspondido, mas a quebra das correntes (talvez até de ouro) com que tentávamos prender alguém. Apenas quando soubermos apreciar com encantamento a liberdade, seja ela nossa ou de um ser amado, teremos conhecido a face invisível e invencível de um amor verdadeiro. E a alma, outrora rasgada, fará das cicatrizes uma arte emoldurada e rebordada de vida, na certeza de que toda a dor, bem lá no fundo, labora a nosso favor.


Texto de Nara Rúbia Ribeiro


Lindo presente!

Julho de 2018


sexta-feira, 27 de julho de 2018

"Com as perdas, só há um jeito: perdê-las. Com os ganhos, o proveito é saborear cada um como uma fruta boa da estação." “A vida não tece apenas uma teia de perdas mas nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança depende muito do que soubermos e quisermos enxergar.” ________________________ LYA LUFT

Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos – para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos. Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido. Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo. Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: “Parar pra pensar, nem pensar!” O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação. Sem ter programado, a gente pára pra pensar. Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se. Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto. Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida. Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar. Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo. Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos. Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem. Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada. Parece fácil: “escrever a respeito das coisas é fácil”, já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado. Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança. Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade. Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for. E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer. 


– crônica ‘Pensar é transgredir”, de Lya Luft, do livro ‘Pensar é transgredir’. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além. __________________________________ Paulo Leminski

julho/ 2018
Tem dias que acorda tão ela mesma, que se assusta consigo. Levanta arrastada, forçando o pensamento a ser positivo e expulsando a preguiça que corre nas veias. A primeira pessoa que vê, ao acordar, é ela. Encara-se num espelho de dois metros de altura: rosto amassado, cheiro de sono, pele limpinha. Pés de galinha quando os olhos sorriem. Pijama. Amanhece mais dentro de si: sendo o que for, amando como quer, vivendo como deseja – sem o ensejo de querer agradar ninguém, salvo à si. É um tanto raro isso: acordar com olhos sorrindo. Dança enquanto a rotina desenrola. Arruma seus fios de cabelo, emoldurando-lhe a face. Pinta o rosto, sem querer se esconder de ninguém: a cor só ressalta os traços que o sono desenhou durante a noite. Não há corretivo que expulse os sonhos dos olhos. Não há máscara que esconda o que a noite esculpiu. Ela rodopia em frente ao espelho, feito bailarina descoordenada, sobre suas sapatilhas pretas. O azul tornou-se fiel companheiro de todos os dias. O relógio tiquetaqueia com a pressa de uma criança frente à um brinquedo novo muito colorido. O café esquenta o dia já quente. Risca o asfalto, olhando a volta. Olhando em volta. Olhando o tudo e o nada. Atualiza-se dos assuntos banais.  Abre o quebra-sol e se olha, e se ajeita e pinta a boca de cor de rosa. E está tão ela mesma, que se assusta consigo. Está tão ela mesma, que tem o riso nos olhos. Está tão ela mesma, que o relógio não assusta. Tão sendo ela e só ela e do jeito dela, que o mundo e os estereótipos e a sociedade, pouco importam.


Mafê Probst

quinta-feira, 28 de junho de 2018

"O vento cósmico passa por mim... Desconstrói-me. Deixa em mim só o verdadeiro... O eterno. Dói o que se desmancha... O ilusório. E o que fica é forte... Essencial." ____________________________ Kamila Behling

Abençoadas sejam todas as voltas que a vida dá, pois numa dessas, a gente esbarra com a rainha, o sábio, o tolo, o rico, o bonito, o feio. A gente esbarra no mundo e percebe que no final do jogo, todos partilham do mesmo vestiário. A peça termina. Os aplausos cessam. A cortina se fecha e tanto o vilão quanto o mocinho dividem o mesmo camarim. Abençoada seja a alma sedenta que sossegará após ser alimentada, sem sequer exigir sofisticados manjares. Abençoado o cansaço de cada dia que não escolherá cama, mas repousará em qualquer banco achando ser um castelo. Abençoado o suor do trabalho e as mão calejadas que anunciam a ocupação no lugar da estupidez de mentes vazias. Bendito seja o silêncio, que se faz de vidente para a crueldade das palavras tolas. Bendito o riso, que ocupa lugar privilegiado na face sóbria de quem sabe viver. Abençoado o peso do saco de interrogações e da sacola de oportunidade que é manto sagrado de quem tem coragem para viver. Abençoada as declarações de amor, pois alivia o peito apertado e assegura a ausência do medo. Abençoado seja o dia em que o acaso nos faça tropeçar em poesia.

Ita Portugal

domingo, 24 de junho de 2018

Se me perguntarem qual o sentimento que considero mais bonito ou mais importante, vou abrir um sorriso e dizer: O correspondido. _______________________ — Martha Medeiros.

Um dia eu perdoei meu inimigo e fui forte. No outro eu pedi perdão e fui grande. Um dia mostrei minhas razões e fui eloquente. No outro ouvi meu próximo e fui humana. Um dia lutei pela minha causa e fui brava. No outro lutei pela causa alheia e fui gente. Um dia batalhei pelo que queria e fui perseverante. No outro dividi o pão e fui rica. Um dia recebi aplausos e fui admirada. No outro fiz o bem em silêncio e os anjos me aplaudiram. Um dia usei a inteligência e fui respeitada. No outro usei o coração e fui amada! 


Autor Desconhecido

sábado, 9 de junho de 2018

O que deixava as tarde tristes? Ela se perguntava, caminhando devagar, o que há nesse vento que a fere?

Descansar a cabeça doente em areias claras. Não sentir culpa ao mimar os olhos com as reverências das ondas. Pensar nele de vez em quando. Nos objetivos, sempre. E desejar a água de coco mais gelada. O silêncio acobertando inquietações. As conclusões erguendo-se abatidas. Uma esperança de que nada mude. Mas que graça teria se tudo permanecesse? Cansar-se do conforto produz estímulo. Temperar a vida buscando momentinhos felizes. Posso pensar mais um pouco? Enquanto observo o mar escurecer cheio de adeus. Posso? Posso saciar a mágoa com lágrimas? E posso protegê-las da exposição? Só quero encontrar alguma coisa que sei bem o que é. Mesmo assim venho sonhando, durante as tardes, que preciso. No momento, minhas boas intenções sofrem. Minhas mãos. As ideias. A segurança. E tudo pode parecer tão recente. O grito sem propósito. Eu não deveria ter passado a tinta por cima da angústia que me cerca. Mas que outro jeito conheço eu para escapar das tristezas? Quero continuar seguindo. De perto. De longe. Com algumas restrições. Revezo a atenção entre consequências e bisbilhotadas ao céu que se maquia de vermelho. E decido. Me interromper? Nunca.





domingo, 3 de junho de 2018

"Tô ótimo, voltei até a usar reticências, pontos e exclamação." ________________________ Caio F. Abreu

jun/2018
" Encontrar constância no teu fio condutor: define muito bem o que não queres para ti. Tenta tudo de novo, arrisca tudo de novo, troca todos os verbos, escolhe-te como sujeito desta oração. Reinventa, refaz, reorienta, reama, recomeça. É a (tua) vida. tua. Baralha e volta, crê que a sorte vai dar trabalho a conquistar e que nem todos os dias vão ser bons. Que vão existir muitos momentos em que a força te vai faltar, em que a fé vai vacilar, em que a coragem não se vai agigantar perante o medo do que não sabes. Sim, há dias em que seria muito mais fácil desistir, não tivesses tu gravada na pele a palavra resiliência."



(Sara - Essencia Abstrata)

domingo, 27 de maio de 2018

Só me conhecem como paz, alguns familiares e amigos. Para todo o restante, sou desassossego. ________________________ Kléber Novartes

Foi no livro A caverna, de José Saramago, que o personagem Cipriano Algor definiu seu genro Marçal como um homem ‘da raça dos desassossegados de nascença’. Logo, pensei ao ler, ‘eu também sou’, assim como você deve estar pensando, ‘me inclua nessa’. À raça dos desassossegados pertencemos todos, negros e brancos, ricos e pobres, jovens e velhos. Bem, desde que tenhamos duas características: a inquietação (que nos torna insuportavelmente exigentes conosco) e a ambição de vencer não os jogos, mas o tempo, esse adversário implacável. Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constantemente, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade. Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam. Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam. Desassossegados não podem mais ver o telejornal porque choram, não podem sair mais às ruas porque tremem, não podem aceitar tanta gente crua habitando os topos das pirâmides e tanta gente cozida em filas, em madrugadas e no silêncio dos bueiros. Desassossegados vestem-se de qualquer jeito, arrancam a pele dos dedos com os dentes, homens e mulheres soterrados, cavando sua abertura, tentando abrir uma janela emperrada, inventando uns desafios diferentes para sentir sua vida empurrada, desassossegados voltados pra frente. Desassossegados têm insônia e são gentis, as verdades imutáveis os incomodam, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a falta que faz uma paz inconsciente. Dessa raça somos todos, eu sou e só sossego quando me aceito.


A Raça dos Desassossegados, Martha Medeiros

sexta-feira, 18 de maio de 2018

“Quando eu dou algo, dou o meu ser” – Vincent van Gogh

Imagens do Filme:
Com Amor, Van Gogh
Se você acorda e sua sanidade escorre entre os dedos; se sua alma se debate entre tormentos e delírios, o que devo dizer? Qual a palavra exata para restaurar o que se perdeu? Entre papéis e rotina, o dia me surpreende investigando em que canto escuro você escondeu o que me sempre foi familiar e seguro. O gemido fere meus ouvidos, a cabeça sob o travesseiro consome o que me resta de esperança e me encolho de medo do seu monstro interno que vejo me espreitar, implacável. O que é esse grito lancinante que atravessa as paredes e me rouba a luz? E os ossos que querem se despregar da carne? Não, não desista ainda. Mãos torcidas, longas horas de sono, dor de viver, cansaço de vestir essa carcaça que oprime. Não fuja, não. Eu ainda estou aqui. Fixada nos seus olhos afogados investigo o que de você resta sob esses escombros. Não desista. Inquieta mente que cria abismos, traiçoeira mente que entre delírios e tintas se locupleta em sensações de prazer e dor, desespero e ardência. Uma fome infinita de sentir, de preencher a lacuna onipresente. Há algo de voraz em você; algo de devorador, que estende seus dentes pontiagudos para o nosso cotidiano. Tenho medo, sabe, mas ainda estou aqui, segurando a sua mão que treme. Em meio a essa tragédia surge a centelha intensa, a vontade insana, a obsessão violenta. Febre e volúpia, desejos, ardência e alucinação – leio tudo isso na sua alma inquieta. Dê-me as tintas, os pincéis e as telas! Estendo os pincéis quase em pânico, temerosa da avalanche, da raiva mal contida e do fluxo que arrebata. Mas não me afasto. Estou aqui. Ainda. Três prótons e três elétrons embalados em um cobertor prateado entram por sua boca, acumulam-se lentamente no seu sangue e estabilizam o que extrapolou a linha fina do que se chama razão. Eu espero. Tenha paciência: estou aqui. Mergulho nessa turbulência assustadora e seguro suas mãos contra meu rosto. Estou aqui: fique mais um pouco. Os dias se acumulam e estou tão cansada. De todas as expectativas só me resta uma: a que talvez este sonho mau um dia chegue ao fim e você, afinal, possa emergir para o sol. Neste dia, entre os dourados sons de meu amor, naquele lugar incrível que sonhamos, haverá calma, suavidade, serenidade e meu coração que aguarda, ansioso, pela hora em que afinal poderemos de novo olhar nos olhos um do outro. Sem sombras, sem medo. Estou aqui. Não vá ainda.



Fonte https://soniazaghetto.wordpress.com/

domingo, 6 de maio de 2018

...E tem a noite nos olhos, a jovem morena... __________________________ Rainer Maria Rilke

abril/2018
Os místicos e apaixonados concordam em que o amor não tem razões. Angelus Silésius, místico medieval, disse que ele é como a rosa: “A rosa não tem ‘porquês’. Ela floresce porque floresce.” Drummond repetiu a mesma coisa no seu poema “as sem-razões do amor”. É possível que ele tenha se inspirado nestes versos mesmo sem nunca os ter lido, pois as coisas do amor circulam com o vento. “Eu te amo porque te amo…” – sem razões… “Não precisas ser amante, e nem sempre saber sê-lo”. Meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se fossem assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra. “Amor é estado de graça e com amor não se paga.” Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que “amor com amor se paga”. O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa floresce, eu te amo porque te amo. “Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários… Amor não se troca… Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo…” Drummond tinha de estar apaixonado ao escrever estes versos. Só os apaixonados acreditam que o amor seja assim, tão sem razões. Mas eu, talvez por não estar apaixonado (o que é uma pena…), suspeito que o coração tenha regulamentos e dicionários, e Pascal me apoiaria, pois foi ele quem disse que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Não é que faltem razões ao coração, mas que suas razões estão escritas numa língua que desconhecemos. Destas razões escritas em língua estranha o próprio Drummond tinha conhecimento e se perguntava: “Como decifrar pictogramas de há 10 mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior? A verdade essencial é o desconhecido que me habita e a cada amanhecer me dá um soco.” O amor será isto: um soco que o desconhecido me dá? Ao apaixonado a decifração desta língua está proibida, pois se ele a entender, o amor se irá. Como na história de Barba Azul: se a porta proibida for aberta, a felicidade estará perdida. Foi assim que o paraíso se perdeu: quando o amor – frágil bolha de sabão -, não contente com sua felicidade inconsciente, se deixou morder pelo desejo de saber. O amor não sabia que sua felicidade só pode existir na ignorância das suas razões. Kierkergaard comentava o absurdo de se pedir dos amantes explicações para o seu amor. A esta pergunta eles só possuem uma resposta: o silêncio. Mas que se lhes peça simplesmente falar sobre o seu amor – sem explicar. E eles falarão por dias, sem parar… Mas – eu já disse – não estou apaixonado. Olho o amor com olhos de suspeita, curiosos. Quero decifrar sua língua desconhecida. Procuro, ao contrário de Drummond, as cem razões do amor… Vou a Santo Agostinho, em busca de sua sabedoria. Releio as Confissões, texto de um velho que meditava sobre o amor sem estar apaixonado. Possivelmente aí se encontre a análise mais penetrante das razões do amor jamais escritas. E me defronto com a pergunta que nenhum apaixonado poderia jamais fazer: “Que é que eu amo quando amo o meu Deus?” Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: “Que é que eu amo quando te amo?” Seria, talvez, o fim de uma estória de amor. Pois esta pergunta revela um segredo que nenhum amante pode suportar: que ao amar a amada o amante está amando uma outra coisa que não é ela. Nas palavras de Hermann Hesse, “o que amamos é sempre um símbolo”. Daí, conclui ele, a impossibilidade de fixar o seu amor em qualquer coisa sobre a terra. Variações sobre a impossível pergunta: Te amo, sim, mas não é bem a ti que eu amo. Amo uma outra coisa misteriosa, que não conheço, mas que me parece ver aflorar no teu rosto. Eu te amo porque no teu corpo um outro objeto se revela. Teu corpo é lagoa encantada onde reflexos nadam como peixes fugidios…Como Narciso, fico diante dele… “No fundo de tua luz marinha nadam meus olhos, à procura…” (Cecília Meireles). Por isto te amo, pelos peixes encantados… Mas eles são escorregadios, os peixes. Fogem. Escapam. Escondem-se. Zombam de mim. Deslizam entre meus dedos. Eu te abraço para abraçar o que me foge. Ao te possuir alegro-me na ilusão de os possuir. Tu és o lugar onde me encontro com esta outra coisa que, por pura graça, sem razões, desceu sobre ti, como o Vento desceu sobre a Virgem Bendita. Mas, por ser graça, sem razões, da mesma forma como desceu poderá de novo partir. Se isto acontecer deixarei de te amar. E minha busca recomeçará de novo…Esta é a dor que nenhum apaixonado suporta. A paixão se recusa a saber que o rosto da pessoa amada (presente) apenas sugere o obscuro objeto do desejo (ausente). A pessoa amada é metáfora de uma outra coisa. “O amor começa por uma metáfora”, diz Milan Kundera. “Ou melhor: o amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética.” Temos agora a chave para compreender as razões do amor: o amor nasce, vive e morre pelo poder – delicado – da imagem poética que o amante pensou ver no rosto da amada…

– Rubem Alves, no livro “O retorno e Terno” (Crônicas). 27ª ed., Campinas|SP: Editora Papirus, 2008.

terça-feira, 17 de abril de 2018

O amor gosta de desconstruir barreiras e impressões para se construir inteiro e livre. _____________________________ Isabella Gonçalves

Eu acredito em grandes amores. Mas falo como se não acreditasse. Eu não tenho muitas  expectativas para o romance. Eu sou um daqueles indivíduos raros, talvez um pouco cansados. Mas eu acredito em grandes amores, até porque já tive um. Eu tive esse amor que tudo consome. O amor do tipo “eu não posso acreditar que isto existe no mundo físico.” O tipo de amor que irrompe como um incêndio incontrolável e então se torna brasa que queima em silêncio, confortavelmente, durante anos. O tipo de amor que escreve romances e sinfonias. O tipo de amor que ensina mais do que tu pensaste que poderias aprender, e dá de volta infinitamente mais do que recebe. É amor do tipo “amor da tua vida”. E eu acredito que funciona assim: Se tu tiveres sorte, conhecerás o amor da tua vida. Tu estarás com ele, aprenderás com ele, darás tudo de ti a ele e permitirás que a sua influência te mude em medidas insondáveis. É uma experiência como nenhuma outra. Mas aqui está o que os contos de fadas não te vão dizer – às vezes encontramos os amores das nossas vidas, mas não conseguimos mantê-los. Nós não chegamos a casar-nos com eles, nem passamos anos ao lado deles, nem seguraremos as suas mãos nos seus leitos de morte depois de uma vida bem vivida juntos. Nós nem sempre conseguimos ficar com os amores da nossa vida, porque no mundo real, o amor não conquista tudo. Ele não resolve as diferenças irreparáveis, não triunfa sobre a doença, ele não preenche fendas religiosas e nem nos salva de nós mesmos quando estamos perdidos. Nós nem sempre chegamos a ficar com os amores das nossas vidas, porque às vezes o amor não é tudo o que existe. Às vezes tu queres uma casa num pequeno país com três filhos e ele quer uma carreira movimentada na cidade. Às vezes tu tens um mundo inteiro para explorar e ele tem medo de se aventurar fora do seu quintal. Às vezes tu tens sonhos maiores do que os do outro. Às vezes, a maior atitude de amor que tu podes ter é simplesmente deixar o outro ir. Outras vezes, tu não tens escolha. Mas aqui está outra coisa que não te vão contar sobre encontrar o amor da tua vida: não viveres toda a tua vida ao lado dele não desqualifica o seu significado. Algumas pessoas podem amar-te mais em um ano do que outras poderiam te amar em cinquenta anos. Algumas pessoas podem ensinar-te mais em um único dia do que outras durante toda a sua vida. Algumas pessoas entram nas nossas vidas apenas por um determinado período de tempo, mas causam um impacto que mais ninguém pode igualar ou substituir. E quem somos nós para chamar essas pessoas de algo que não seja “amores das nossas vidas”? Quem somos nós para minimizar a sua importância, para reescrever as suas memórias, para alterar as formas em que nos mudaram para melhor, simplesmente porque os nossos caminhos divergiram? Quem somos nós para decidir que precisamos desesperadamente substituí-los – encontrar um amor maior, melhor, mais forte, mais apaixonado que pode durar por toda a vida? Talvez nós devêssemos simplesmente ser gratos por termos encontrado essas pessoas. Por termos chegado a amá-las. Por termos aprendido com elas. Pelas nossas vidas se terem expandido e florescido como resultado de tê-las conhecido. Encontrar e deixar o amor da tua vida não tem que ser a tragédia da tua vida. Deixá-lo pode ser a tua maior bênção. Afinal, algumas pessoas nunca chegam sequer a encontrá-lo.


Heidi Priebe 

segunda-feira, 16 de abril de 2018

'Cá entre nós: fui eu quem sonhou que você sonhava comigo, ou teria sido o contrário? (...) não era isso o que eu queria ou planejava dizer. Pelo menos, não desse jeito embaçado como uma VIDRAÇA durante a chuva. Por favor, apanhe aquele pequeno pedaço de feltro(...) limpe devagar a vidraça(...) até ficar mais claro o que há POR TRÁS. Lago, edifício, montanha, outdoor, qualquer coisa. Certamente molhada, porque só quando chove as vidraças embaçam será? ' _____________ (C.F.A)

Eles não souberam quando começaram ou terminaram, se por algum momento a mágica do “nós” chegou a acontecer, se podia ser amor ou vontade de dividir uma pizza. Talvez ela quisesse somente uma companhia, alguém para chamar de “amor”, um par de meias novas no Natal e passear na pracinha que tem apenas uma árvore. Ele quis um apartamento maior, a estabilidade que pode ser superficialmente alcançada, um salário mais proveitoso. Nunca disseram adeus, nem até mais, nem qualquer outra coisa que desse possibilidade de um fim ou de um próximo encontro; terminavam as conversas com beijos. Talvez ele a ame. Talvez ela quisesse saber disso. Por causa da mudez das emoções que sentiam, eles não sabiam que destino davam a si. O bonito deles é a coisa mais simples em suas histórias: de alguma forma silenciosa e cheia de esperança, eles esperavam um pelo outro, embora nenhum pedido tenha sido feito. 


__________________(A menina por trás da vidraça)

quinta-feira, 5 de abril de 2018

"Diz-me dos silêncios inquietos que cantam no teu olhar, do rio de palavras selvagens, preso em ti, das melodias vadias que escreves ao luar; diz ao desassossego que ateias em mim, o poema que quero entender. E quando minha pele começar a enrubescer, diz-me tudo. Não deixes nada por dizer." ________________________________ *Teresa Subtil, simplesmentelis, outroblog*

Acontecia estar ainda a pousar o telefone e as saudades estarem já, do seu lado da linha, prontas para agredir. Respirava-se a presença constante daquela ausência que doía. Mas estava prestes a acabar. O espaço por ocupar iria morrer no abraço filmográfico entre bagagens e sorrisos molhados. O abraço ansiado, sabia-se lá há quanto tempo, feito para acontecer. Suspenso num tempo qualquer em que as coragens eram diferentes e não havia ainda o direito de escolher sempre a felicidade nem o que nos faz bem. Ia fazer cinema. Já ouvia os aplausos. É que havia também uma contagem. Riscos num calendário enfeitado da cumplicidade cor-de-rosa e azul-bebé na declaração implícita de terem chegado. Ela tinha chegado. Tão lindo o seu castelinho nas nuvens com almofadas brancas pelo chão, muitos livros nas estantes, a cozinha grande, permissiva e confidente. Quanta harmonia. Ali o amor não era ideia. Uma coisa que se diz e que se escreve em forma de poesia mas que morre nas mesmas linhas em que é falada sem no entanto chegar a ver-se a ser… a sério. No castelinho nas nuvens, o amor era um facto. Existia. Tinha corpo e tinha mais coisas. Levou-se toda e tola a morar lá. E era lá que ela e as suas malas diriam adeus. Na porta da frente, erguia-se o horizonte desenhado por Deus para si. Oferecido, porque sabia quem ela era e sabia que merecia. Fora assim aos seus olhos, a terra e o céu encontraram-se a meio do caminho para que ela pudesse receber o que era dela.Nunca mais se lembrou da vida real. Dos medos reais. Nem da outra realidade na ponta da corda, amarrada ao chão numa pedra fixa. Ela fora o doce segredo que na sombra dera de comer, às escondidas, ao sonho de voar. Quando aterrou, fez-se assassina e aprendeu a matar. Silenciosamente. Cravou-lhe uma faca bem fundo, na mesma cozinha, onde ele continuava de copo na mão a distraí-la com o humor mordaz e as mãos indecentes que a faziam errar na medida do sal. Mas custava a matar o sonho. Todas as noites tinha ainda de o sufocar com a almofada que antes servia para lhe marcar o lugar no faz-de-conta que estava ali. E onde o via tranquilo a dormir ao seu lado, observa-o agora a perder a vida dentro de casa dela. Dentro se si. De facto, quando olhamos o abismo, o abismo também olha para nós e ela não era a mesma. As nuvens desfizeram-se e o castelo deixou de ter onde se manter de pé. Aí veio disparada das alturas, às cambalhotas, de encontro à vida. Na queda perdera a bússola. Ou deixara-a cair intencionalmente. Não se lembrava. Pela primeira vez, perdera-se. Não porque não sabia onde estava, mas porque não sabia para onde ir. Como é que se extraem vidros do coração, sem que ele pare? Sem lhe causar aquele tipo de danos permanentes que causam paralisia. Teria de ser com cuidado. Era isso. Com cuidado. Com disciplina. Colar a cabeça ao pescoço de novo e dela retirar todos os vestígios de castelos com cozinhas grandes onde se fez amor e se cometeu homicídio. Ainda havia muito por colher no atalho que a tinha levado para longe do permitido. Sabia-o porque metia a cara entre as mãos, cheia de vergonha, por ter querido baralhar-se tanto. Vergonha por ter mingado.Por um tempo tivera quinze anos, usara duas tranças e andara num campo de trigo dourado de mãos dadas a um sonho a falar de pertencer. Também houvera borboletas. Afinal qualquer ilusão só é capaz de iludir te houver borboletas…Tivera muitas, a fazer-lhe cócegas nos princípios, nas metas e na personalidade. Que ano cheio de tudo. Perto do fim e das suas habituais avaliações, agarrou o Destino e perguntou-lhe com alguma dor “Ainda estás a meu favor?” A resposta tardou. Gostava de pensar que não por abandono ou desinteresse de quem a estivesse a Ouvir, mas antes por falta de espaço na agenda cósmica do seu Guardião. Em tempos de tão grandes transformações em tantas vidas, há que esperar a vez do que eclode antes de nós, para e por nós. Também. Ela eclodiria depois, para e por si, para e por alguém. Era assim que era desde a primeira insatisfação de Deus. Não podia deixar de rir de si mesma. Apesar de tudo, como uma chamazinha numa noite chuvosa e fria de Inverno, o resquício da infantilidade que lhe fazia tranças e a levava para campos de trigo dourado, recusava-se a desistir e a tornar-se adulto. Que assim fosse para que ela não se esquecesse de quem Era. Apesar de tudo. "Os sonhos são cenouras" -concluiu. Os sonhos são cenouras penduradas à frente do nariz e que nos fazem andar, continuar, optar, enganar e fazer tudo outra vez. Os sonhos são cenouras que não se trincam, mantêm-nos a fome.E a criança que não quer crescer. Há destas fomes, como a que sinto, que são como castelos nas nuvens – só nossos. Cuidado por isso com os sonhos, com certas fomes e todos os castelos.






IdoMind

quinta-feira, 29 de março de 2018

"Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem." ______________ (Lucas 23:34)

Ao pé da Cruz estava João, modelo de fidelidade. Ele sabia cultivar e colher este fruto do Espírito, porque puro e sincero era seu coração. Sua mente sempre limpa fizera com que merecesse reclinar a cabeça sobre o peito do próprio Cristo na Última Ceia e percebera ao vivo a intensidade do amor que palpitava naquele oceano de dileção. Eis por que firme era seu afeto para com Jesus e esta dileção não conhecia barreiras, não contemplava óbices, não podia nunca ser rompida. Assistira João a morte do grande Amigo e não se aparta d’Ele após o desenlace fatal. Como é comovente lembrar que no Calvário se achavam as piedosas mulheres: Maria Madalena, Maria Cléofas e Salomé. Fascinadas pela grandeza do divino Redentor, d’Ele não se podiam apartar. Eletrizadas pelo heroismo que contemplavam, não se compadeciam em se afastar da Cruz. Encantadas pelo mistério daquele Homem que, exulado do céu pelo Pai extremoso, na terra, era assim martirizado, subjugadas pela perplexidade de tamanhos tormentos, elas estavam, ali ao lado do Morto divino. Belíssima lição de intrepidez e dedicação na hora do perigo, da desgraça, do desar. Maria Madalena chorava seus pecados. Fora benignamente perdoada, mas agora ela compreendia melhor ainda a gravidade de suas faltas que pesaram tanto no sofrer do Mestre querido. Ao pé da Cruz, porém, estava vivo, palpitante outro padecimento. Dor silenciosa e muda, mas profundamente sentida. Aflição interior, heroicamente contida, que não se exteriorizava nem pelo soluço. Amargura incomensurável e pungente, mas com características próprias, com sua modalidade peculiar. Era Maria que nas horas de tanto sofrimento, de tanta angústia foi bem a perpetuação de sua adesão à obra redentora. Era Senhora das Dores a ratificação sublime e excelsa de seu pensamento e de sua vida toda aglutinada e vivida em função da homenagem a seu Deus Criador. O culto da divindade foi continuamente a marca essencial de sua existência e o fundamento de sua personalidade. Deus Criador ao qual vivia em reverência e subordinação contínuas. Diante da Cruz, aderida aos sofrimentos do Filho, acompanhou de perto todos os desvarios da massa humana descontrolada. Entregue à sua tristeza, Maria, durante o tempo em que ali estivera, sofreu, incomensuravelmente, tudo que acontecia a seu amado e dileto Filho. Estava petrificada pelo sofrimento e presa à mais desabrida amargura. Era bem o templo da dor, a casa da consternação. Dores mais profundas e diferentes, porém, iriam esmagar o seu coração amantíssimo. Fariam vibrar todas as suas fibras de pena e de horror. Isso porque seriam da surpresa, da estupefação, do assombro, do espanto, da saudade os padeceres que ainda a aguardavam. Eis por que, enquanto na natureza se esvaeciam as perturbações exteriores, cresciam as ondas interiores da tribulação mais desabrida que invadiam o seu coração materno a contemplar morto o Filho dileto, pregado numa ignominiosa cruz. Regularizadas, contudo, todas as exigências da lei, dadas amplas explicações às autoridades de então, obtida a indispensável licença, mãos piedosas retirariam o Corpo de Jesus da Cruz. José de Arimatéia, célebre cidade de Judá, seria imortalizada pelo gesto intrépido de seu ilustre filho, ela, a famosa Rama, pátria do grande Samuel, José de Arimatéia, príncipe do Sinédrio, realizaria o significado de seu nome sublime. José quer dizer “Deus dê aumento”. Ele aumentou a admiração dos pósteros para com sua pessoa destemida com o gesto grandioso que coroou o refinamento de sua intrépida delicadeza, quando pediu a Pilatos, audacter – ousadamente, o Corpo de Jesus. Subiu as escadas para, da verdadeira árvore da vida, descer o Autor da vida morto por amor. Nicodemos, nobre fariseu, membro do Sinédrio, um dos poucos judeus graúdos que reconheciam Jesus como Messias, vencedor do povo – niké/demos -, venceu definitivamente o medo que também era ele discípulo oculto do Mestre e isso por temor dos judeus. Inscreveu o seu nome vitorioso nos anais dos belos feitos. Eram dois admiradores de Jesus que, publicamente, O homenagearam. Antes, eram pusilânimes, medrosos, covardes, tímidos, timoratos. No momento, porém, da humilhação suprema do Rabi amado, quais dois leões indômitos e animosos, sem receio da opinião da classe dominante nem de outros muitos que também aprovaram a perseguição a Jesus, intrepidamente, proclamaram sua dedicação ao Amigo a quem antes procuravam ocultamente. No instante da desdita, entretanto, eles O sabem honrar. Belas lições nos deixaram.


Desconheço a autoria

Algumas coisas são explicadas pela ciência, outras pela fé. A páscoa ou pessach é mais do que uma data, é mais do que ciência, é mais que fé, páscoa é amor.

Porque procurais entre os mortos
Aquele que esta vivo?
Não esta aqui. Ressucitou
(Lcs 24:5-6
Ainda hoje somos homens e mulheres de passagens; somos filhos da Páscoa. Os mares existem; os cativeiros também. As ameaças são inúmeras. Mas haverá sempre uma esperança a nos dominar; um sentido oculto que não nos deixa parar; uma terra prometida que nos motiva dizer: Eu não vou desistir! E assim seguimos. Juntos. Mesmo que não estejamos na mira dos olhos. O importante é saber, que em algum lugar deste grande mar de ameaças, de alguma forma estamos em travessia. A semana é santa por que Jesus expulsou os mercadores do templo e trouxe a ordem para a casa de seu Pai. É santa por que Jesus reuniu todos seus discípulos e com eles repartiu o pão e o vinho ensinando o mistério sagrado da comunhão. É santa por que Jesus não fugiu de seu destino e carregou a cruz com o peso de todos os pecados e nela foi crucificado para redimir nossos erros e nos mostrar o que é o verdadeiro amor. É santa por que Jesus desceu à mansão dos mortos e ressuscitou no terceiro dia, subiu aos céus e ocupou seu lugar ao lado de Deus Pai Todo Poderoso. A semana é santa por que graças ao sacrifício do filho de Deus nos foi revelado o caminho para chegarmos até Ele. 

Feliz Páscoa

quinta-feira, 22 de março de 2018

Mais de uma vez disse que amava o outono, por ser simples e nada exagerado. Ela achava que outono era feito poema, bordado de arte. Outono era alimento para os olhos, enfeite da alma. Era o encanto, renascer, ser novamente. Isso era contagiante, causava vontade de viver mais. ____________________________ (Manuella, a menina que amava o outono)

Não percebi a chegada do outono. Mas eu sentia que estava embarcando numa nova estação: todas as árvores que (não) plantei, de repente, estavam nuas. E eu caminhava num tapete de folhas e flores. Os caminhos também se estreitaram e tive uma sucessão de perdas, ou melhor, tive uma sucessão de trocas. E assim, como toda pessoa que tem um coração pulsando, fiquei assustada demais com as mudanças. Mas agora já consigo perceber beleza na nudez de cada uma das minhas árvores prediletas. Elas apenas estão trocando de roupa enquanto eu troco de pele, tamanha cumplicidade.



Marla de Queiroz

quinta-feira, 15 de março de 2018

Pensei em ti com um suspiro de outono ... Nessas ilhas de distâncias, cheias de ruídos do passado, Um sonho familiar flutua ao meu redor ... Amar é uma coisa demasiado pura, Mas, ou aqui jamais chegaram tuas cartas de amor, Ou eu nunca soube ouvir teus lamentos... Poemas perdidos… ___________________________________ (Adilson Shiva)

março/2018
Eu vivo no mundo das ideias. Só que, com toda certeza, o mundo das ideias de Platão não é o mesmo em que eu piso. No dele, tudo era perfeito. O meu tá mais pr’aquele jardim do filme “A Cabana”, caótico à primeira vista. O jardim das ideias de Platão foi definido por um paisagista de primeira. Grama aparada, árvores podadas… O meu é uma selva, cheia de simbioses. Um caos harmônico. Imperfeitamente perfeito. Plenamente incompreensível em sua totalidade à minha humilde inteligência, mas totalmente conexo se visto de um prisma mais amplo. Eu vivo imersa no mundo encantado das ideias. Pra ser muito honesta, acho que só ele existe, minhas ideias sobre o que as coisas são, pois, em absoluto, não as conheço completamente. Não posso conhecer as coisas, porque mudam a todo instante. Até eu mudo, de modo que, se me conheço agora, no instante seguinte, posso me tornar alguém surpreendente até para mim mesma. Há horas em que pareço estar jogando um jogo e, quando domino todas as regras, a vida muda o tabuleiro e eu já não sei. Não sei como se joga e nem quem sou frente ao encontro com as novas circunstâncias. Necessito de tempo para me conhecer novamente. Para me re-conhecer. E quando finalmente me re-conheço, não tarda, a vida muda novamente, me fazendo cedo despedir-me do “eu” a que acabei de me afeiçoar. Em última instância, a vida se resume a despedidas. Despedidas daquilo que fica, posso dizer, porque o que fui sempre permanece parte daquilo que estou me tornando. As lições do passado me pertencem, me compõem e, vez por outra, eu o revivo e dele extraio novos ensinamentos. Ele se vai, mas, de algum modo, ele também fica.   _____________________   Talita Dantas




Não, Tempo, não zombarás de minhas mudanças!
As pirâmides que novamente construíste
Não me parecem novas, nem estranhas;
Apenas as mesmas com novas vestimentas.


William Shakespeare

domingo, 11 de março de 2018

Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. ________________________ Martha Medeiros.

Um desvario. É disso que se trata. O amor é uma sandice. Um desvio do caminho de dor em que a vida mergulha de quando em vez. É isso, sim. No meio de tanta estupidez e medo e indiferença, vem alguém tomado de coragem, declara seu amor em voz alta e sai sorrindo um parque de diversões e seus carrosséis, rodas gigantes, montanhas russas. O amor é a maior ousadia da vida. É quando ela, abusada que só, ignora a morte à espreita, realiza, avança, provoca, acontece. Quem ama quer acordar mais cedo e viver até tarde. Amar é se dar conta de que estamos vivos. É a intenção sagrada que nos põe sobre os pés de manhã, a saudade honesta, o trabalho de cada dia. É a noite, a lua e o susto de não estar mais só. Amar é um desacato à autoridade dos pessimistas, mal-amados, donos da verdade, descrentes da felicidade, vigias da vida alheia e toda torcida contra. Quem ama desobedece à lógica do um contra o outro, a fórmula do cada um por si, o vício odioso do confronto. Sentir amor é o absoluto inesperado em tempos de pré-disposição para a maldade. Quem tem bravura para dar e receber amor desafia a danação, a selvageria e a morte. Tomados de ímpeto amoroso, os amantes esquecem que um dia também vão morrer. E quando por acaso se lembram, repousa mansa em sua lembrança a certeza de que ao morrerem permanecerão vivos do outro lado, trabalhando pela eternidade de seu amor. Tem gente que escolhe sofrer, penar, regar sentimentos daninhos, cultivar pragas que desgraçam o roçado aos poucos, em silêncio. Eu escolho viver. E o amor há de ser isso mesmo, quem sabe? O ofício de cuidar da vida. De plantas, flores, sonhos, pessoas, amar é cuidar bem da vida. Limpar-lhe as folhas, molhar a terra, fortalecer as raízes. Proteger, respeitar, servir. Florescer. Noite dessas, do meio de sua solidão, alguém me escolheu para amar. Veio, tomou meu coração nas mãos e eu entreguei-lhe o resto. Agora seguimos juntos, preparando nossa horta, planeando nossa obra. Rompendo firmes nossos transtornos.
março 2018
Construindo possibilidades, trabalhando pela vida que é boa agora e há de ser melhor amanhã. Porque, afinal, quem ama não tem medo de trabalhar pelo amor. E o amor dá trabalho! Viver e amar dão muito, muito trabalho.