segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Eu, particularmente, gosto de réveillon. Gosto dessa sensação de um ciclo sendo encerrado e outro iniciado. Por isso, desejo a você, caro leitor, um recomeço singular e intenso.


Dez 2020

"Hoje eu apenas queria escrever um texto-sopro. Um texto sereno de beira de mar. O último de 2020. Esse ano em que tudo me cortou e me rompeu. Em que me costurei de novo com linhas imaginárias, tecendo novos sentidos. O ano. Ritual. Gosto das passagens.  Voo ao teu encontro querendo deitar a cabeça no mar. O mar é um colo. Deixo-me chorar o encanto do mar. É que a gente também tem um mar por dentro. Hoje eu queria apenas ser doce. Lavar o sal da pele no rio. Deitar na rede que me embala o pensamento. Sentir a grama verde nos pés de areia, me penetrando os dedos. Dormir exausta de cansaço com o corpo quente, sentindo o gosto de vinho nos lábios. Apenas. Delicadezas. Dessas que a vida ganha cores. Sabores. Leveza de sentir amor no vai e vem das ondas. Acalento na impermanência do mar. Saudação. Hoje eu queria apenas o silêncio diante da enormidade de não saber, que ergue indefinido em frente aos olhos. Deixar-me levar sem porto de chegada. Despida de tudo que me cabe, despeço – me de 2020. Não lamento, só agradeço. Sinto em mim os ecos das vivências. O sabor das dores. A grandeza dos amores. As incompreensões que me moldaram novas formas de existir. E assim reverencio a vida que me arrebata sem começo nem fim, flutuando na corrente do rio. Feliz 2021, ano novo. Recebo – te com o espanto de uma criança diante do mar.  Nem mais nem menos. Apenas. "


Silvia Badim




FELIZ ANO NOVO!!


domingo, 13 de dezembro de 2020

Para falar do Natal, não existem segredos, basta olhar para dentro de nós mesmos. ______________________________________ Fernanda Molina


Img:  Natal 2019


Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

– Manuel Alegre, em ‘Antologia Poética’.




Françoise ajudando a 
 Montar a árvore!!

nov/ 2020




terça-feira, 24 de novembro de 2020

“Ela tem essa pose de “nada me abala”, mas no fundo, bem lá no fundo, ela é tão mole quanto uma gelatina, tão doce quanto um pote cheio de mel e tão delicada quanto a pétala de uma rosa.” — ____________________________________________ Stephani Ignatti.

Ela é baixinha e meiga. Te cobre os cantos do rosto com as mãos e beija com ternura. Ela é um tanto rabugenta, é teimosa e caprichosa. Ela é do tipo que gosta de fingir que tem tudo controlado. Ela gosta de pequenas loucuras e de pedir com jeitinho. Ela se faz de durona, mas secretamente é doce e sonhadora. Ela no fundo acredita em fadas, duendes e sereias. Eu sei. Ela quase nunca fala sobre seus sentimentos, tem medo do incerto. Ela procura sempre caminhar com a sinceridade, mas está longe de ser perfeita. Ela sempre espera com carinho, risos e cheirinho de lar. Ela é um tipo de lar, te faz sentir assim. Ela chora vendo filmes românticos e com livros também, mas diz que não é romântica.Ela gosta de flores, coisas simples e de animais, menos sapos. Ela dá gargalhadas até chorar, e chora até sorrir novamente. Ela aprendeu a cuidar sozinha dos próprios machucados, mas sabe como é bom ter alguém do lado com quem dividir. Ela sabe que é bom ser forte, mas continua sensível. Ela brinca feito criança e seus sorrisos se espalham na sua pele que é dominada por essa vibração. Ela gosta de olhar a lua e pensar coisas bonitas. Ela gostaria de ser protagonista de algo, gosta de chá e de chuva. Ela é uma boa pessoa, vezes é um tanto malvada. Ela se faz de difícil, gosta quando peço com carinho um beijo seu. Ela não tem ideia do estranha, rara e especial que é.”


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

"Ela tinha ímpeto de desaparecer, virar espuma, vento, soprar longe. Tinha gana de desligar os telefones, o interfone, desligar-se. Sentia falta de rir sozinha lendo seus livros, acender incenso tomando banho quente, andar pela casa com sua camiseta, descalça, distraída, relaxada, ver seus filmes antigos tomando café forte, queria sua companhia de volta, não definitivamente (solidão nunca a seduziu), pois amava estar com os seus. Gostava de ser acolhida, mimada, mas algumas vezes, um filme, um café, pés descalços, lhe bastava." ___________________________ Renata Fagundes


Menina dos olhos cintilantes, que sorri para o dia de sol e para as flores que brotam sem pedir licença. Feminina, encantadora e apaixonada; pelos outros, pela vida ou por qualquer coisa que simplesmente – como se fosse pouco – faça bem a ela. Ela não costuma admitir, mas adora sentir-se acolhida. O que para os outros pode soar como pieguice, para ela é delicadeza, e uma linda parcela de amor. Sabe viver o presente sem se preocupar com os medos do futuro, porém, muitas vezes, oculta as suas vulnerabilidades para proteger asua sensibilidade à flor da pele. “Como existem pessoas que não gostam de carinho?”, “Por que elas escondem tanto o que sentem?”, – se questiona, deitada em sua cama e olhando para o branco do teto, que, tempos atrás, era repleto de estrelas e planetas fluorescentes colados. Se entregar? Só se for de corpo e alma.  Prefere sentimento sincero. Quer ser Companheira, solidária e munida de sinceras gentilezas, ela se adapta às situações, mantém a calma, mesmo perto de quem desvaloriza a sua veia sonhadora. Mas, quando sozinha, se esconde na sua concha e sorri por saber que os sonhos são, e sempre serão, os seus melhores amigos.

Fred Elboni

sábado, 24 de outubro de 2020

Que seja cumplicidade, porque a vida é difícil sem afetos. _______________ LyaLuft

Img: Marcelo
Um aconchego é algo mais do que um abraço ligado a um momento agradável, mas designa uma cumplicidade, um encontro emocional, algo que vai além de um simples contato amoroso. Agora, talvez para alguns de nós para acariciar com a alma tem esse significado, mas outros podem dar mais ou menos intensidade à sua definição. Podemos nos seduzir através de palavras e carícias além do contato pele a pele, dos sentidos tradicionais, do renascimento sentimental e da reação de nossas emoções. Em termos de sentimentos, há muita escrita, mas, afinal, todo mundo tem que pensar, sentir e validar o deles. Somos seres emocionais que pensam na linguagem das emoções e, portanto, sabemos que abraçar e fazer com que os outros sintam nosso afeto é um dos melhores presentes que podemos oferecer. Porque sentir-se acariciado com a alma é sentir a união das nossas emoções. Os problemas desaparecem em segundos, a angústia é envolvida pelo amor e às vezes ligamos nossas constelações às do outro. Aconchegar proporciona uma paz deslumbrante, porque não há nada que nos faça sentir melhor do que conhecer a si mesmo amado, valorizado e apoiado. O que chamamos metaforicamente “união de duas almas” torna-se uma dança química no nível do cérebro. Nossas emoções combinam sutilmente na forma de dopamina, serotonina, ocitocina e noradrenalina. Com os abraços através dos quais nos ligamos, inflamamos uma miríade de constelações afetivas que aumentam nosso bem-estar e nos ajudam a recuperar o controle, colocando à nossa disposição um leme e uma âncora que, sem dúvida, nos sustenta na vida. Porque no final das carícias depende muito do nosso desenvolvimento socioemocional. É conveniente, portanto, estar ancorado nessas experiências, melhorar nossa consciência e dar amor. O encontro mais íntimo entre duas pessoas é o emocional. Essa troca só pode ocorrer quando o medo é superado e somos capazes de nos dar a conhecer ao outro como somos, sem anestesia ou tabus. Podemos seduzir e sermos seduzidos por nossas emoções; No entanto, tendemos a negligenciar esse aspecto e a minar nossa capacidade de nos conectar ou sentir através do autoconhecimento e do heteroconhecimento. Porque um aconchego começa consigo mesmo, com nossa capacidade de autoabraçar, para usar nossas emoções para continuar crescendo, aprendendo e evoluindo junto com nossas experiências. Em suma, o aconchegar é estar desnudando nossos medos, nossas inseguranças e nossa verdade emocional. Está quebrando nossos medos e entregando calor e em casa através de abraços. Tudo isso, sem dúvida, merecia uma palavra tão bonita.




Tradução e adaptação por A Soma de Todos os Afetos, do artigo publicado no site La Mente es Maravillosa (https://www.contioutra.com/aconchegar-a-cumplicidade-de-acariciar-com-a-alma/)

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

"Vou ser doutora da alma" - pensou a menina. E lá foi ela tratar de fazer poesia."

Tem dia que a gente acorda saudade. E tudo o que o dia pede é uma varanda com vista pro sol e uma cadeira de balanço. Revirar os guardados e desfiar memórias que trazem riso. Nos dias em que se acorda saudade, tudo a nossa volta faz lembrar alguém, o café da tarde, o fogão a lenha, nós crianças, caçando vagalumes - um amontoado de histórias bonitas. E um mundo que não tinha complicação. No meu ontem o mundo era bonito e sem dor. Os medos eram sempre remediáveis. E tudo se curava com colo de mãe. Com beijo de vó, banho quentinho, chá e biscoito. Tudo terminava em riso, ou pelo menos, num abraço bom. O tempo era longo e pressa só existia no dicionário. As tardes eram gastas pulando amarelinha, brincando de boneca e jogando bola na rua. As noites só chegavam depois de muito brincar. Depois era só cair num sono duro, mas sem bicho-papão. Tem dia que a gente acorda poesia. E tudo o que o dia pede é um mundo colorido, sem embaraços e só quem tem os olhos encharcados de poesia pode ver. Só quem tem olhos de sol é que bate o olho na pedra e vê uma garça. Vê o azul rasgar horizontes. Vê sapo chamando chuva e passarinho trocando asas. Nos dias em que se acorda poesia, tudo a nossa volta é casa do amor. Tudo tem Deus morando dentro. E nesses dias a gente espera ficar pra sempre.


Cris Carvalho

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Pra mim; Deus é isso: Beleza que se ouve no silêncio...______________________________________ Rubens Alves

setembro 2020
Os rios recebem, no seu percurso, pedaços de pau, folhas secas, penas de urubu
E demais trambolhos. Seria como o percurso de uma palavra antes de
chegar ao poema. As palavras, na viagem para o poema, recebem
nossas torpezas, nossas demências, nossas vaidades.
E demais escorralhas. As palavras se sujam de nós na viagem.
Mas desembarcam no poema escorreitas: como que
filtradas. E livres das tripas do nosso espírito.


(Manoel de Barros)

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Às vezes (demasiadas vezes) eu tenho vontade de ser menos intensa, só para poder entender como o resto do mundo aguenta essas coisas que me devoram permanentemente e de uma forma tão absurda... (Clarice Lispector)

Ainda te choro, assim do nada. Uma música que toca e és tu quem ali está a cantar-me. Apareces-me e levas-me para aquela tarde estranha em que não queríamos mais estar zangados, mas não sabíamos como fazer as pazes. E então a música tocou. E foi mais fácil pedir-te colo. E foste mais rápido em me dar. No outro dia até te chorei através do choro de uma amiga e das dores que lhe andavam a fazer no peito. Como as que achei que nos fizemos um ou outro. Lembrei-nos a avançar milímetros na mesma direção, para depois recuarmos quilômetros em sentidos opostos. Mas demos por nós mais perdidos sozinhos do que a desbravar um caminho juntos. E voltamos para trás. Encontramo-nos ao meio e demos de novo as mãos. Até que as largamos de vez porque a promessa de mudança foi deixando de bastar para o regresso a Casa a cada volta cada vez mais longa... Tenho-te chorado mais agora, assim do nada, porque não morreste simplesmente. Fomos cúmplices no homicídio lento da vida que havia em nós. E como são pesadas as lágrimas de saudade quando carregadas de paixão e amor...


IdoMind  

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Posso nao saber para onde irei. Mas sei bem para onde não mais voltarei... _________________________________________ Marcel Camargo

Img: Arquivo Pessoal
O futuro pode ser planejado, desejado, repleto de metas a serem alcançadas e, ainda assim, sempre será incerto, improvável, impossível de ser previsto com exatidão. No entanto, desejar e lutar por um amanhã melhor e mais feliz nos faz bem, alimentando nossas forças em sempre querer continuar, inesgotavelmente, haja o que houver. Nessa jornada, devemos estar seguros quanto ao que idealizamos, bem como quanto ao ontem e aos lugares a que não poderemos mais voltar, para nossa própria sobrevivência. Há lugares para onde nunca mais devemos voltar. Jamais. Não volte aos mesmos erros, aos conhecidos descaminhos, mas reaprenda com cada tombo, superando as próprias falhas e lidando saudavelmente com as limitações que todos temos. O ontem deve permanecer lá atrás, ancorando nosso aprendizado contínuo, de forma a redirecionarmos nossas energias em direção a acertos que nos tornarão cada vez mais humanos e mais felizes. Não volte ao lar que já se desfez, ao colo que não acolhe, ao vazio solitário de uma companhia dolorida. Devemos ter a coragem de colocar um ponto final em tudo aquilo que nos enfraqueceu e nos diminui, tolhendo-nos a tranquilidade de um respirar livre. O nosso caminho deve ser transparente e leve, sem pesos inúteis que atravancam o nosso ir em frente. Não volte às promessas quebradas, ao relacionamento fracassado, que em nada acrescentou na sua vida, ao incessante dar as mãos ao vazio, ao compartilhamento unilateral, ao doar-se sem volta. Todos merecemos nos lançar ao encontro de alguém verdadeiro e que seja repleto de recíprocidade enquanto se dividem os sonhos de vida. Todos temos a chance de encontrar uma pessoa que não retorne menos do que doamos, que não nos faça sentir a frieza da solidão acompanhada. Não volte aos amigos hipócritas, às pessoas que se baseiam em interesses escusos para permanecerem ao seu lado. Amizade deve ser soma, gargalhada, brilho nos olhos e ritmo no coração. 
Caso não nos faça a mínima falta, caso não nos procure sem razão, nenhum relacionamento pode ser tido como verdadeiro. É preciso poder contar com alguém que permaneça ao nosso lado, mesmo após conhecer nossas escuridões, pois é essa sinceridade que sustentará nossos ânimos nas noites frias de nossa alma. Não volte ao emprego desumano, que achata os sentidos, não reconhece seu valor, apenas criticando e pedindo sempre mais e mais, sem lhe dar nada em troca. Procure uma ocupação onde os minutos não pareçam uma eternidade, onde obtenha reconhecimento, onde possa atuar como personagem principal da própria vida. Não abra mão daquilo que você é, daquilo em que acredita, ou ninguém reconhecerá a grandeza que possui dentro de si. Sim, não há como prever o futuro, tampouco controlá-lo. Cabe-nos cuidar do nosso aqui e agora com todo o cuidado que o hoje merece, para que diariamente preparemos, aos poucos, um caminho menos árduo, um amanhã que dê continuidade aos nossos esforços em sermos felizes. Agirmos refletidamente, enfim, nos poupará de atravessar caminhos tortuosos e solitários, sob lamentações e arrependimentos. Porque, tendo plantado paixão verdadeira, tendo cultivado relacionamentos sinceros, colheremos, certamente, sorrisos e abraços de gente de verdade, gente com a intenção de ser feliz bem juntinho, sempre.
Marcel Camargo

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

"Na minha vontade cabe um jardim. Uma casa toda branca com janelas azuis. Uma roseira no quintal e um girassol na porta de entrada. Cabe um amor limpinho morando dentro dela. Cabe eu e minha história, bordada de afinidades, amor e leveza." ________________________________ Cris Carvalho

" Quando a alma está no comando,
a sua vida se torna uma "história de amor"
Imagem:
Roseira plantada por mim no meu jardim...
Ansiamos por movimentos, para nos ligarmos com nossas almas.
Os monges encontram essa ligação no canto.
Os tuaregues, no deserto.
Os poetas, na palavra.
Os tocadores de tambor, na batida.
Eu a encontro nas flors!


Renata Lobo-Adaptado

 

domingo, 16 de agosto de 2020

Amélie finge gostar de estratagemas. Reconhecendo que não precisa de astúcia, pois guerra nenhuma, quiçá inimigo, existe, ela tem que confessar seu temor-na-verdade-covardia. E que esse ‘ser-diferente’, recalca uma mulher que não deixa-se capturar. Mais fácil resolver a vida dos outros, não?

"São tempos difíceis para os sonhadores"
O universo conspira favor do cinema-amor. Amélie não pára o filme inteiro. Seu ritmo é esse, acelerado. Amélie é um coração com pressa. Amélie não tem vocação para princesa. Amélie não é um anjo sem asas. Amélie é uma mulher comum de destino fabuloso por que partilha o mesmo com nós todos. Amélie é a moça com o copo de água. Aliás, por dentro, e fora, Amélie é água. Água com cheiro, com gosto, com cor. E existe isso? sim! Não enxergou ainda!? Amélie é cinema! 


(Fragmentos do Filme: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain)

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

"Quando a paixão não bate à porta entre invernos e verões a gente alimenta saudades (...)"

Ela sempre soube, mas preferiu ignorar os antigos manuais. Rasgou os argumentos de uma solidão conhecida e maquiou outros significados para ir além. Relevou algumas descrenças e desmascarou as ilusões. O plano parecia dar certo e torná-lo perigoso era empolgante. Enquanto desafiava a loucura, dissimulando os desejos, outros diziam que ela havia perdido a noção do risco. Aprendeu o  descompasso de um ritmo desconhecido e atormentou o silêncio da tristeza com um riso incontido. Jogou com algumas cartas camufladas e intimidou as razões avessas, seduzindo o vazio de uma noite monótona. O que ela não havia notado, ainda, é que o medo de amar estava fora de moda. A solidão já não voltara pra casa há dias e as letras de uma canção antiga tinham, agora, pronuncias de amor. Era tarde demais para sair em busca de outras explicações. Ela estava apaixonada.


Ana Carolina

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

"Doer, dói sempre. Só não dói depois de morto. Porque a vida toda é um doer." ____________________________ _________________ Rachel de Queiroz


"Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende. Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir."

Cora Coralina

domingo, 2 de agosto de 2020

Chegou lindo o mês de agosto, trazendo consigo o oposto do que do reza a lenda do desgosto. _______________________________________ Edna Frigato

Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro — e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente. Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir. Dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons deixam a vontade impossível de morar neles; se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos, de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzsche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos — ou precauções — úteis a todos. O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile à fantasia, categoria originalidade... Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo zap!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já. Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu — sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antônio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún, ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à luz da lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados. Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se ou lamuriar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques — tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informação para que as desgraças sociais ou pessoais não deem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas — coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo; evasão, escapismos. Assumidos, explícitos. Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco.




sexta-feira, 31 de julho de 2020

«… Quando sabemos correr para um abraço, sabemos o que é uma emoção, sabemos identificar uma ausência. O abraço é uma extensão de nós à procura de quem nos faz falta …» _______________________________________ João Morgado


«…E ele, como sempre, na plateia a aplaudir, fascinado pela música que saia dela, pela subtileza dos seus gestos que se transfiguravam em sons e enchiam a sala – pelos dedos que transpiravam música pelas cordas, como quem passa a mãos pelas espigas e solta reflexos de sol…» 

João Morgado 
In: Diário dos Imperfeitos.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

''Amor. É o que a gente sempre espera encontrar do outro lado.'' ______________________________________ ___ Vanessa Leonardi

"Eles se amam. Todo mundo sabe mas ninguém acredita. Não conseguem ficar juntos. Simples. Complexo. Quase impossível. Ele continua vivendo sua vidinha idealizada e ela continua idealizando sua vidinha. Alguns dizem que isso jamais daria certo. Outros dizem que foram feitos um para o outro. Eles preferem não dizer nada. Preferem meias palavras e milhares de coisas não ditas. Ela quer atitudes, ele quer ela. Todas as noites ela pensa nele, e todas as manhãs ele pensa nela. E assim vão vivendo até quando a vontade de estar com o outro for maior do que os outros. Enquanto o mundo vive lá fora, dentro de cada um tem um pedaço do outro. E mesmo sorrindo por ai, cada um sabe a falta que o outro faz. Nunca mais se viram, nunca mais se tocaram e nunca mais serão os mesmos. É fácil porque os dias passam rápidos demais, é difícil porque o sentimento fica, vai ficando e permanece dentro deles. E todos os dias eles se perguntam o que fazer.E imaginam os abraços, as noites com dores nas costas esquecidas pelo primeiro sorriso do outro. E que no momento certo se reencontrem e que nada, nada seja por acaso."


Tati Bernardi

segunda-feira, 20 de julho de 2020

"Sempre me restará amar. [...] Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera." ___________________________________________________ Clarice Lispector

Img: internet
"Não adianta. Mudam-se as cores do inverno, os sorrisos, as páginas das revistas, as dez mais bonitas. Mudam-se as tecnologias, as manchetes, o preço do pão, o jeito como você corta o cabelo. Mudam-se os sonhos, o clima lá fora, o tom do batom, a decoração, o que você espera de si mesma. Tudo muda o tempo todo. Mas uma coisa não muda. Não sai de moda. Não fica velho, nem ultrapassado. Quer saber? Acho amar a coisa mais eterna que existe. Não há nada mais moderno. Mais transgressor. Mais ousado – e mais antigo - que isso. Num tempo onde as pessoas mal têm tempo, amar virou coisa de gente corajosa.”




(Fernanda Mello)

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Não foi nada. Deu saudade, só isso. De repente, me deu tanta saudade. _________________________________________ Caio Fernando Abreu

"Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar. Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora. Detonaste o pacto. Detonaste a vida geral, a comum aquiescência de viver e explorar os rumos de obscuridade sem prazo sem consulta sem provocação até o limite das folhas caídas na hora de cair. Antecipaste a hora. Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas. Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o ato em si, o ato que não ousamos nem sabemos ousar porque depois dele não há nada? Tenho razão para sentir saudade de ti, de nossa convivência em falas camaradas, simples apertar de mãos, nem isso, voz modulando sílabas conhecidas e banais que eram sempre certeza e segurança. Sim, tenho saudades. Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da natureza nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste, porque te foste.




(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 15 de julho de 2020

O coração sofreria menos se compreendesse as regras da impermanência. A tudo sente como se fosse eterno. É o tempo quem diz: tudo passa! ____________________________________________________ | Pe. Fábio de Melo |

Sempre que acorda costuma olhar para o teto em busca de respostas. Funciona quase como uma meditação matinal ajudando ela a manter o equilíbrio. Depois ela olha pela janela tentando descobrir que tipo de problemas terá que enfrentar. Já diante do espelho ela sorri e se alimenta de palavras de otimismo. Busca a calma em seu café e então respira fundo se preparando para encarar o mundo. Ela sabe o quão mesquinha e egoísta as pessoas podem ser, mas isso não a impede de tentar ser um pouco mais solidária. É por estes motivos que você a vê esbanjando simpatia, muita vezes desperdiçando sorrisos com aqueles que só sabem reclamar da vida. Ela é espontânea, mas isso não quer dizer que não tenha que se esforçar para manter a compostura diante de tantas injustiças. Seu senso de humanidade preza pelo bem comum e isso a torna um ser humano raro, quase que perdido em meio a multidão. E num esforço sobrenatural ela continua lutando por aquilo que acredita, tentando enxergar nas pessoas uma fagulha de esperança, torcendo para que os seus sonhos ainda sejam os motivos pelos quais valha a pena acreditar.


-Affonso

domingo, 12 de julho de 2020

Todo sopro que apaga uma chama, reacende o que for pra ficar. ____________________________________________________________ Teatro Magico

Arquio pessoal
Trava suas batalhas contra o amor trajando apenas uma armadura feita de papelão. Aprisiona a solidão em uma gaiola e deixa livre a saudade. Tenta se convencer de que uma muralha mental é o suficiente para se proteger de qualquer sofrimento. Não esconde suas tristezas, não expõe suas alegrias, e acaba por confundir muita gente. Busca ouvir a razão, mas se deixa influenciar pelo coração. Diz não ter medo de se deixar levar, mas trava ao menor sinal de mudança. Teme o vento, ignora os bons presságios, se esquiva dos sentimentos. Não consegue encarar as próprias incertezas, teme os próprios desejos, afunda lentamente nas próprias vontades e desconhece o próprio amor. Vê monstros em moinhos e esperança em migalhas. Luta sem saber o porquê, sem saber contra quem. Contudo, ela ainda é amor, de corpo e alma, de dentro pra fora, do início ao fim.


Affonso

sábado, 11 de julho de 2020

A intensidade é parte de cada passo nosso. A insensatez eventual nos é necessária e característica. E se não lhe tivermos um pouco de loucura, certamente não lhe temos sequer um pouco de amor. _____________________________________ Nathalí Macedo

Arquivo Pessoal

Terraço Itália São Paulo
(...)"Olhando assim, bem aqui no cume mais alto
Vejo mirantes do Sol te desenharem
Tuas dimensões deambulam sob meus cílios
Cumprem teu florescer em mim
Meu atlas, tua nota maior,
sentido meu"(...)


(Fernanda Fraga)

terça-feira, 7 de julho de 2020

“Uma casinha bonita. Um emprego que eu adore. Uma pessoa que me entenda. Um par de pés pra me guiar. E um de braços pra dias frios. Um chão pra quando meu mundo desabar. Um colo eterno de mãe. Um lugar pra voltar. Outro pra ficar pra sempre.” _________________________________________________ Tati Bernardi.

Por amor a gente fica, dorme no sofá da sala, encontra conforto no chão do quarto, faz de tudo para fazer o outro sorrir. Por amor a gente divide o que há de melhor, abre mão de um lado da cama, estende a toalha para o café da manhã e engole o orgulho sem titubear. No amor a gente descobre que já foi saudade, que esqueceu o tédio, que se acostumou a rotina e que surpresas sempre viram boas lembranças. É quase sempre o amor, que se assemelha a loucura, que desenterra segredos e que traz à tona toda essa euforia. Tem amor que enfeita a casa, que põe sabor aos nossos gostos, que traz de volta alegrias a muito tempo esquecidas. Por amor a gente reclama da ausência, briga com o tempo e tenta a todo custo eternizar cada momento. O mesmo amor que invade sem pedir licença nos torna livres, dispostos a conquistar os sonhos de outro alguém. Por amor a gente perdoa e se acostuma ao ponto de sentir falta de algumas imperfeições. Por amor a gente fica, faz morada, chama de lar, constrói família, adota cachorro, cultua a felicidade e luta para que tudo isso nunca tenha um fim.

Affonso Schimitt

domingo, 5 de julho de 2020

É o querer inteiro, em partes, em todas as partes. É o querer no caos, no grito, na intensidade. Depois no silêncio entender que nada precisa ser dito, já está sendo feito. E fica a leveza, a paz tão merecida. ________________________________________________ Suzana Bidese

Felizes aqueles
que têm lugares secretos
onde podem voltar.
Guarda um pedaço de ti.
.

Fernando Couto Ribeiro
Definitivamente o sexo é muito bom, porém do outro lado temos o silêncio, a companhia, a calmaria. Onde a respiração menos ofegante também pode ser sentida. Onde os corpos estáticos também constrõem o amor. Onde a plenitude faz repouso. Onde o prazer é muito mais sutil e por isso se esconde em meio ao abraço. Momento no qual deixamos a performance de lado e nos rendemos a rotina. O conforto torna-se sinônimo de paz, a euforia dá espaço a contemplação e o amor é o único sentimento que realmente nos interessa.



Affonso Schimitt

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Construir-se é um processo cheio de frustrações, onde precisamos exercitar, separar o que conquistamos de tudo que precisamos deixar para trás. _____________________________________ Poeta da colina


foto: internet
"...e as pombas do meu quintal eram livres de voar, partiam para longos passeios mas voltavam sempre, pois não era mais do que amor o que eu tinha e o que eu queria delas, e voavam para bem longe e eu as reconhecia nos telhados das casas mais distantes entre o bando de pombas desafetas que eu acreditava um dia trazer também pro meu quintal imenso..."


(p. 98, Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar


domingo, 28 de junho de 2020

Gosto da palavra AMOR. Dizem-me que AMAR é melhor, que contém a palavra MAR. Ah! Mas Amor contém MOR que quer dizer MAIOR. E assim fica AMOR, MAIOR que o MAR de AMAR. ________________________ Portelinha

foto; Internet
Talvez, Deus use uma régua e um compasso. Algo que Lhe mostra que as coisas vão se encaixar. Ou um relógio do tempo, que lhe denuncia a hora exata dos encontros que vamos ter no decorrer da vida.Por várias vezes, questiono se Deus é um físico, matemático ou, apenas, um poeta apaixonado pelos romances impossíveis. Fico de cá, imaginando Ele de lá, chateado com a nossa bagunça ao encontrar os amores e deixando-os passar. Por muitas vezes, sonhei com Deus dançando em casamentos celebrando o amor, abrindo um vinho por mais um recém-nascido, comemorando o milagre da vida e dando muxoxos quando alguém prega o ódio em Seu nome, resmungando ‘esse babaca não entendeu foi nada.’. – será que Deus falaria ‘babaca’ ?!  Deus deve achar engraçado demais nossas confusões, indecisões e incertezas. Deve ficar de lá mandando chuvas de sinais para nos mostrar o caminho enquanto nós, cegos de vaidade, desapercebemos o óbvio. Não sei se para Deus somos comédia romântica, suspense ou drama. Será que eu teria paciência de assistir a minha própria vida com tanta dedicação, assim como Ele nos assiste? Em Sua onisciência, onipresença e onipotência, penso que, talvez, apertando um botão, Ele resolveria tudo. Nossas angústias, medos e realizaria todos os nossos desejos. Sentado numa cadeira, típica das lojas de games, adicionando alguns reais para jogar mais meia hora. É impossível prever o que Deus nos preparou. Mas, é indiscutível a Sua força através da nossa fé. O que a fé move e a energia que rege tudo isso.É incrível saber que as lágrimas não escorrem pelo rosto em direção a boca por acaso. Que o sorriso depois da tempestade é a resposta. É maravilhoso que, mesmo diante do caos, ainda temos a esperança. E com tanto barulho, bobagem dita, repetida e espalhada em nome de Deus, Ele continua fiel aos Seus princípios e focado na Sua maior e mais forte das leis: A lei do amor.Quem sabe seja esse o segredo de Deus. Seja essa a Sua régua e compasso ou o Seu relógio do tempo: Descarregar sinais de amor sobre nós. Para que, de alguma forma, sejamos tocados e encantados por esse sentimento que nos revela tanto de nós, e nos revela tanto para o outro. Como dizia minha vó, Deus faz tudo certinho. E com muito amor.


Edgard Abbehusen

quinta-feira, 25 de junho de 2020

"Pra não pensar na falta, eu me encho de coisas por aí. Me encho de amigos, livros e músicas." Tati Bernardi

Silêncio. Uma saudade que dança, lembrança. Herança de um tempo feliz.  É uma saudade que eu chamo de minha, talvez por que eu tinha a intenção de ficar. E mesmo que eu saia sozinha, os sorrisos que fui ninguém vai me tirar.  Justo eu, que nunca tive endereço, encontrei em você um grande apreço, meu começo, moço, sem fim algum. De sentimentos que conviviam em perfeita harmonia, sintonia, poesia de dois. Ironia do destino a gente se cruzar. É como se tivessem sequestrado a parte mais bonita de mim e eu começasse do fim para entender o meio. Me roubaram exatamente no momento em que eu estava deitada no teu peito, morando no teu abraço, laço, embaraço. Cansaço que dói, arde. Ferida que rasga na pele. Impele. Martele. Ele. Eu não quero parecer uma menina que caiu na rotina e perdeu a rima de se apaixonar. Eu prefiro ser uma mulher que ainda decora poemas, na esperança de resolver seus dilemas e depois se encontrar. Agora me diz: quanto tempo demora a tua hora de voltar? Não pense que isso é um lamento, na verdade eu sentia um afrouxamento e uma paz sem igual, e talvez esse tenha sido o meu mal, o meu bem e eu fiquei refém de tanto sentir ao teu lado, demasiado. Humano. Te reinvento na minha memória, mesmo que a nossa história tenha a duração de um sorriso. Talvez seja o fato de que ao teu lado eu amanhecia sem pressa, porque essa era a promessa: me demorar no teu olhar, no teu sonhar, acompanhar o teu corpo quando em mim ele fazia morada, e eu não queria mais nada, pois me sentia embrulhada naquele abraço. E depois vieram as tuas canções, o teu som e eu encontrei o meu tom ao teu lado. E ainda tem o violão dedilhado com tanto apreço e isso não tem preço quando fecho os olhos e lembro. Da forma que eu admirava você passeando naquelas notas e não há quem possa me pedir para esquecer, a intensidade com que você se entregava quando estava aninhado, tão afinado naquele instrumento. Eu gostava também de gargalhar com os teus olhos, rodopiar com as tuas mãos, adormecer na tua paz, na tua barba, na tua boca.  Eu lembro do primeiro abraço, era como se tivéssemos fazendo um juramento que servia de acento ao nosso sentir, que teimava em existir com a nossa permissão. Agora me dá a tua mão e me diz que isso vai passar, e que logo eu vou bordar, cirandar, estar ao teu lado de novo. Sendo feliz de novo. Me diz, moço. Vem ser porto. Chega bonito, inteiro como sempre foi. E não esquece de trazer os pássaros para cantarolar na minha janela como fazia todas as manhãs com tuas mensagens, teus telefonemas. Passeia de mãos comigo, brinda comigo, me aquece do frio que faz lá fora. Eu estava tão entregue. Sem medo algum, eu me doava um pouco mais a cada dia. Sem esperança de que desse certo ou não, mas eu estava vivendo aquilo tudo com tanta verdade. 

Não era amor. Era um adorar diário. 
Não era amor, era uma vontade de recomeçar uma nova história todos os dias. 
Não era amor, era um bem-querer recém-nascido. 
Não era amor, era como se eu tivesse retornado de um lugar que eu nunca fui embora. 
Não era amor, era um gostar mais que todos já visto até hoje.
Não era amor, era agridoce.
Não era amor, era vontade de ficar perto, sendo silêncio, barulho, não importava, bastava ser alguma coisa.
Não era amor, mas eu me aconchegava no teu braço, e o barulho do mundo lá fora não me atormentava.
Não era amor, era lucidez, caminhar leve e músicas que falavam por nós.
Não era amor, era afeto macio, cheiro, presença.
Não era amor, era o reconhecimento imediato daquela outra alma que falava a mesma língua que a minha. 
Não era amor, era invasão, urgência e delicadezas que se exibiam a todo instante.
Não era amor, era vinho, verso e violão.
Não era amor, era sensibilidade aflorada.
Não era amor, eram sorrisos, zelo, soma.

Não era amor. Era melhor.

Bibiana Benites

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Existem coisas piores que estar sozinho mas geralmente leva décadas para entender isso e quase sempre quando você entende é tarde demais. E não há nada pior que tarde demais. _________________________________________ Charles Bukowski

Quando ela está sozinha, ora com suas próprias palavras. Já que para ela não existe regra para conversar com a pessoa amada. Quando ela está sozinha, olha para o espelho e agradece por mais um dia. Afinal, agradecer pela vida, é uma coisa muito rara e bela. Quando ela está sozinha, anda de bicicleta sem as mãos. Acredita que de braços abertos pode voar e ir para qualquer lugar. Ela adora essa sensação do vento no seu rosto e a velocidade que bate o seu coração. Sem precisar de nenhuma razão, ela muda os planos e realiza novos sonhos. Quando ela está sozinha, corta o cabelo com a tesoura da cozinha, tira uma fotografia e fica rindo de si mesma por dias. Quando ela está sozinha, deita na cama com uma blusa básica e uma calcinha. E antes de dormir, tira a sua maquiagem e fica ainda mais atraente e sexy. Quando ela está sozinha, corre balançando os braços e nem liga para o cabelo desarrumado. Anda pela rua com o seu fone no ouvido, com um sorriso tranquilo, natural e muito bonito. Seus olhos brilham de alegria enquanto ela caminha distraída, curtindo a trilha sonora da sua vida. Ela é livre. Isso não é um crime. Muitos não entendem essa menina e ficam querendo saber porque ela está sozinha. Ela tenta mostrar ao mundo algo que aprendeu com muita dor. Solidão é unir duas pessoas sem amor. Ela aprendeu a se dar valor e acreditar em um amor sem pressa. Aquele que, com o tempo, alcança o que interessa. Ela não se desespera e segue sua vida. Pra ela, uma simples tentativa nunca foi a melhor saída. Aprendeu a ser resistente. A dizer “não” quando não for suficiente. Sabe que metade de qualquer coisa nunca vai satisfazer. Poucos conseguem entender esse seu jeito de ser. Inteira em uma só. Ela nunca esteve sozinha. Nem com ela e nem com os demais. Ela é apenas uma menina que sabe viver em paz, com ela mesma e com a vida.

terça-feira, 23 de junho de 2020

A menina que há tempos chorava, se pôs de pé. Tudo porque teve fé. (Cris Carvalho)

A menina da saia de chita precisa de novo segurar as mãos de Pipa pra não cair do cavalo da fantasia. A menina tinha se esquecido que dentro dela, adormecidos, estão os monstros do passado, que a fazem querer partir, mais do que chegar. Ela não quer olhar para trás. Mas ela também tem medo do que vem pela frente. Espada em punho, reza ao anjo da guarda para que proteja a menina que mora nela. A menina que não quer perder seu lado divino. O seu lado inocente, agraciado, bendito. A menina quer outra vez um quarto rosa, onde ela possa estar só com seus brinquedos e seus sonhos. A menina quer outra vez uma mão segura amparando a mão dela. 'Enterra o passado de vez, menina. Esquece e vai dormir'. 


Cris carvalho

sábado, 20 de junho de 2020

"No aconchego dos teus braços eu me sinto tão segura, que m'entrego e m'enlaço...- Sou carinho e sou ternura!"

ninguém conseguia a façanha
de ser minha paz e minha loucura
ao mesmo tempo
"Curioso não saber explicar como alguém tem o dom avassalador de ser o nosso ponto fraco. É como se eu estivesse em dieta e ele fosse a minha sobremesa predileta, armadilha, veneno e antídoto simultaneamente... inexplicável e irresistivelmente. É como se eu admitisse que existiam mais gentis, mais bonitos, mais inteligentes e até mais sinceros, mas ninguém conseguia a façanha de ser minha paz e minha loucura ao mesmo tempo, ninguém conseguia ser a razão e as contestações sobre todas as leis inventadas pro amor... a não ser ele, ele que me desarma, ele que estraga o meu show, ele que é único."

Yohana SanFer

Gosto de poesias porque lá encontro sobre mim algo para além do que consigo dizer. ____________________ Ana Suy

"(...) Aquilo a que muita gente chama amar consiste em escolher uma mulher e casar com ela. Escolhem, juro, já os vi. Como se se pudesse escolher no amor, como se amar não fosse um raio que quebra os ossos e nos deixa paralisados no meio do pátio. Tu dirás que eles escolhem porque-a-amam; creio que é o contrário. Não se pode escolher Beatriz, não se pode escolher Julieta. Não podemos escolher a chuva que nos vai encharcar até os ossos quando saímos de um concerto.”


Julio Cortázar, O Jogo da Amarelinha. Editora Civilização Brasileira, 2011.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

São muitas às vezes que nós acreditamos nas nossas verdades e depois descobrimos que era tudo uma enorme projeção do nosso querer que fossem verdades. ________________________ Denise Portes

Arquivo Pessoal
Sou uma espécie de conselheira sentimental dos amigos. Todos os dias ouço histórias de amor. Histórias de amor que estão começando, outras terminando. Todas iguais dentro das suas diferenças. Amor e egoísmo. Amor e medo. Amor e abandono. Amor. Todos os tipos de pessoas, diferentes personalidades, as mais variadas maneiras de encarar as coisas da vida. Seres distintos. Idade, cultura (ou a falta dela), gênero. Todas movidas por essa coisa enorme que de repente invade a vida de cada um e toma conta de tudo. E depois vai embora. Ou não. Curioso é perceber como as pessoas reagem ao fim dos relacionamentos. Algumas se mostram tão fortes, outras se fragilizam tanto que parece que não vão conseguir continuar a viver sozinhas. Algumas ficam se culpando, se martirizando desnecessariamente. Outras logo, logo partem para outra, literalmente. Essas são, ao meu ver, as que conseguem aproveitar melhor a vida. Vivem o que tem pra viver, sofrem, choram, mas se erguem e saem lutando contra moinhos de vento. É assim, sempre. É quase que um circulo vicioso. Os relacionamentos começam, são lindos por um certo tempo, depois começam a desgastar-se até que um dia chega a hora derradeira do adeus. O bom é que mesmo sofrendo horrores algumas pessoas não perdem a doçura. Não desistem de ser quem são por ninguém. Enfrentam as dores de maneira diferente, em intensidade diferente. Passa. Sempre passa. Dia após dia sentem-se melhor, mais forte. Passamos a vida toda atrás de amor. Mesmo não admitindo isso. Procuramos incessantemente por alguém que nos complete. Que nos faça felizes. E essa pessoa chega. Faz o que tem que fazer na nossa vida, depois vai embora. E ninguém morre por causa de um coração partido, isso eu aprendi. Sempre surge uma pontinha de esperança e um amor novinho em folha. No tempo certo.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Lembrar de você a cada manhã. Pensar em você para dormir melhor. _____________________ | Tati Bernardi |

Pálpebras que falam. Olhos que cantam e en(cantam). 
Vozes que se entrelaçam. Bailam. Paixões cantadas com os ouvidos. 
Sorrisos sentidos com o olhar. Poemas escritos com a mente. 
Versos recitados para estrelas. 
Mãos que se tocam através de cartas. Perfumes eternizados em livros. 
Solidão acompanhada pela presença da saudade. 
Sentimentos pontuados por reticências. Amor eternizado pelas entrelinhas. 
A força do que não foi dito. O encontro in(esperado).


- Lígia Guerra -

sexta-feira, 12 de junho de 2020

“(…)”Sempre” era uma promessa! Como é que você pode não cumprir uma promessa desse jeito? (…) — Às vezes as pessoas não têm noção das promessas que estão fazendo no momento em que as fazem.” _________________________________________ A Culpa é das Estrelas.

junho/2020
As pessoas amam bem mais a expectativa do amor possível, que o amor propriamente dito. Daí a intensidade dos impulsos bloqueados, os que estão impedidos de expansão e movimento na direção do objeto amado. Os "grandes amores" da literatura são grandes, não por serem amores, mas por serem impossíveis. Já os grandes amores da vida real só quem sente é que sabe. A impossibilidade de dimensionar um impulso afetivo carrega de energia a fantasia. E esta se encarrega de dar dimensão ao que o exercício da relação, talvez, tirasse. Na paixão impossível só estão as projeções do que idealizamos, pretendemos ou não conseguimos viver em nosso cotidiano. Daí ser fácil entender sua força, sua obsessiva presença na cabeça dos enamorados. É por isso, aliás, que só é musa quem é inatingível. Case-se com a sua musa e acordará com uma jararaca... Case-se com quem ama e será feliz. Quer se ver livre de uma paixão colossal? Vá viver com a pessoa objeto da paixão (observem, por favor, que não estou usando a palavra amor). Aliás, já está nos clássicos e, mesmo, antes destes, nos antigos: "A conquista enobrece e a posse avilta". Ou, como dizia Goethe: "Nas batalhas da paixão, ganha aquele que foge". Quantas vezes as relações humanas terminam ou se interrompem sem terem esgotado o potencial de possibilidades adivinhadas, intuídas, sentidas. Aí, o que não se esgotou clama por vir à tona e, muitas vezes, ameaça ocupar (e às vezes ocupa, efetivamente) todo o "ego". Não é por outra razão que o apaixonado é o maior dos egoístas. Ao dedicar tudo ao objeto da paixão, está é alimentando a própria necessidade, seja de sofrimento, de idealização, de felicidade ou fantasia. Entupido de impossibilidades, ele clama. E a isso muitos chamam amor. Mas amor é coisa muito diversa... Amor não clama nem reclama: amor dá.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Não consigo imaginar outro lugar onde eu gostaria de estar agora, e olha que tenho a mania besta de sempre tentar. ___________________________ Gabito Nunes

A verdade é que, enquanto você estiver assim, nessa interminável agonia, esperando notícias que nunca chegam, vai deixar passar várias possibilidades interessantes ao seu redor . Claro, ninguém se compara a quem você aguarda, mas quem você aguarda não está disponível no momento . Poderá, inclusive, nunca estar, apesar de tudo o que foi dito naquele dia . Pessoas que somem não são confiáveis . E, mesmo que você tenha certeza absoluta de que não se trata de desprezo, que deve ter acontecido alguma coisa, que esse sumiço tem alguma explicação, não adianta nada você ficar ai esperando . Corroer-se de ansiedade não vai apressar a resolução do problema, seja ele qual for . Então, desencana ..


Fernanda Young