quinta-feira, 28 de maio de 2020

Sou (...) uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura." _____________________________ Florbela Espanca ...

internet
Procura-se um amor livre, cujo único compromisso seja a irreprimível vontade de ficar. Na descida para a praia ou na subida para a serra, em casa, no sábado, assistindo a uma série ou curtindo as próximas férias na Inglaterra, um amor que releve rápido as desavenças, que prefira rir da situação a guardar mágoas; que faça amor, não guerra. Procura-se um amor que já tenha amado antes, que já tenha vivido, que saiba valorizar todas as fases e nuances de um amor lindo, sereno, apaixonado, divertido! Quero alguém que já tenha experimentado o dissabor de um relacionamento amargo, para que, assim, saiba reconhecer, quando encontrar o amor que eu ofereço. Um amor que se dê conta de que um sentimento desses não se acha fácil em qualquer beijo, em qualquer corpo bonito, em qualquer esquina. Procura-se um amor para se tornar rotina, mas não para se acomodar nela. Amor sem a rigorosidade de compromissos marcados com antecedência, de amizades cerceadas por ciúmes; rotina de felicidade apenas. Rotina… como uma deliciosa festa que nunca termina. Um amor livre, cujo único compromisso seja a irreprimível vontade de ficar. Procura-se um amor que não dependa da sexta-feira para ser feliz, e que se estenda bem mais que uma noite de carnaval. Que não deixe rancor virar cicatriz, e que as demonstrações de carinho nunca se tornem algo banal. Procura-se um amor que também exista nas segundas-feiras caóticas da vida e nas monótonas tardes de domingo. Procura-se um amor que, antes de ser amor, seja AMIGO. E que tal amizade perdure para todo o sempre. Um amor que goste de dançar, independente da música…um amor que seja melodia, quando tudo ao redor for silêncio. Procura-se um amor que tope um teatro e um jazz em seguida, mas também um litrão de cerveja com espetinho na calçada, com a conta dividida. Aliás, procura-se um amor que seja bom em matemática e que saiba dividir. As dores, os sucessos, as bênçãos, a vida. Que goste de somar experiências, alegrias e aprendizado. E que seja generoso em ensinar tais cálculos… que subtraia o que for excesso e os medos ao longo do caminho. Um amor que saiba ser ninho, para quem não tem onde pousar. Procura-se um amor para compartilhar! Os sonhos, a casa, as noites frias. Os perrengues, medos, as luxuosas camas e o champanhe; o café requentado de ontem e as pequeninas camas de alvenaria. Um amor que saiba continuar a ser amor no fim do mês, quando as contas não baterem, na abundância e nos bônus que surgirem. Um amor que continue amor quando a idade chegar, quando o tempo já não for tão nosso aliado. Um amor que não dependa das palavras para ser expresso, que não brinde só na noite de ano novo, mas que saiba ser novo, de novo, quantas vezes precisar. Que seja tão intenso em show de rock quanto na calmaria de uma rede na varanda. Com chá de camomila ou cuba libre para nos embalar. Procura-se um amor amoroso! Que goste de ser, de dar e de receber, mas que não se importe tanto em ter e em mostrar a todo momento. Um amor que ostente alegria! Que não reclame de carinho, declarações apaixonadas e guardanapos servindo de bilhetinho pela madrugada… um amor que não tenha vergonha de assumir-se apaixonado, pelo contrário, que tenha orgulho e gratidão por também ter encontrado… um amor assim para chamar de seu. Procura-se um amor que cuide, que encurte as despedidas, que não conte com a sorte para estar junto, que não seja perfeito, somente a minha medida e que sejamos a melhor companhia um para o outro, nas calorosas discussões e nas tediosas faltas de assunto. Que saibamos conduzir todo esse amor, de forma que ele nunca nos deixe, mas que ele perpetue coisas boas dentro de nós, mesmo se um dia mudar de forma. Procura-se um amor que queira viver. Só isso. Coisa que parece ser bem rara nos dias atuais. Que goste de brincar, mas não de fazer jogos. Que tenha bom humor suficiente para driblar as crises e que faça questão de andar de mãos dadas. Por qual caminho for preciso seguir… Procura-se um amor que não solte as mãos tão fácil, tanto quanto hoje em dia comumente vemos por aí. Procura-se um amor que tenha lugar em seu peito para receber direito um outro amor tão imenso quanto. Um amor que se permita existir… e que do amor não pense em desistir, pois, com amor, o resto todo a gente leva…

terça-feira, 26 de maio de 2020

O que deixava as tarde tristes? Ela se perguntava, caminhando devagar, O que há nesse vento que me fere? Eu que já fui brisa em tua pele ...

internet
"Não sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo. Enquanto esta idade a que chegamos, você e eu, é o tempo da estabilidade e das batalhas ganhas. Já pouco se exige, já pouco se espera. E mesmo quando se exige muito, só se espera o possível. Se as surpresas são poucas, poucos também os desenganos."



Trecho- Crônica de Rachel de Queiroz – 
publicada originalmente no jornal “O Estado de São Paulo” –
13/01/2001 – Extraída do livro: Melhores Crônicas Rachel de Queiroz)

domingo, 24 de maio de 2020

"Vem só um pouco Senta do meu lado Envolve-me feito laço … Esquenta esse frio de dentro, abraça-me por intermináveis momentos, afaga os meus sentimentos (...)____________ Laura Melo

Eu me apego, não nego. Domino a arte de me apegar. Não consigo me afastar de gente que divide para somar. Aquele drama de compartilhar histórias e ideias, ou alimentar fantasias infantis minhas (ou não tão infantis assim). Piro nessa troca. Gosto de me ver mudar, porque tudo (me) muda. Cresce, evolui, amadurece. Então sim, é apego. E não ligo. E se eu não me importo, você também não deveria se importar. O desapego torna as pessoas egoístas e cansei dessa gente que só sabe olhar para o próprio umbigo. Tá faltando mais ombro amigo, tá faltando mais colo e mais carinho. Tá faltando gente para se doar. Hoje é tudo jogo, é tudo morno, é tudo acaso. Ou seria descaso? Estamos construindo barreiras e correndo ladeira abaixo. Tá faltando amor. Tá falando apego. Se apegue, sim! A vida é curta demais para ser pequena, então se doe com vontade, ame com intensidade, queira mais proximidade. Pratique o apego. O fracasso começa quando começamos a acreditar que teremos amanhãs demais. E não há amanhãs suficientes para procrastinar. Tire o pé do freio. Não é feio se entregar. Se doar. Não pense demais naquilo que os outros podem pensar e não imagine amanhãs. Faça aquilo que te dá vontade, ainda que pareça um pouco de insanidade. Ame. Se entregue. Esteja inteiro, não pela metade. Se apegue. E eu me apego, não nego. Domino a arte de me apegar. Não consigo me afastar de gente que divide para somar. E não ligo. E se eu não me importo, você também não deveria se importar.


D.A.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

...E tem a noite nos olhos, a jovem morena... __________________________ Rainer Maria Rilke

Roma
O frio chegou sem rodeios, anunciando chegada num vento que rasgava a pele. Não, sem arrepios que lembram lábios dessa vez. Não olhei pro céu e, confesso, há dias que não executo esse velho hábito de admirar estrelas. Tentei roubá-las e reproduzi-las nos meus olhos, mas meu sorriso não chega a refleti-las. Pena. Lembrei da câimbra agora e não reluto em dizer que sim, a felicidade é um tanto incompleta nos risos fotografados. Desculpa se falo sem rodeios, mas é que desisti de calar e disfarçar sentimentos e decidi que quero estar cercada de tudo aquilo que me faz bem. Tinha me perdido nos últimos tempos e sequer reconhecia meu rosto defronte ao espelho e te conto que, agora, recomeço a me sentir mais eu. Sinto pulsar dentro de mim aquilo que sempre fui, as borboletas estão cada dia mais inconstantes e eu coro e não calo e tenho muita vontade de dizer que. Eu sou carente. E sinto carência, mas essa carência de carinho. Sinto vontade de uma mão brincando com os meus cabelos, desalinhando os fios. Sinto vontade de toque ameno no meu rosto, de dedo contornando su-a-ve-men-te o desenho dos meus lábios e vontade daquela respiração morna, na base do pescoço, trazendo um arrepio confortável e vontade de mais toque, de carinho inteiro. Saudade da leveza das mãos grandes, do arrepio da ponta dos dedos em contato com a pele do braço, peito, bochechas. Saudade da textura das costas da mão, dos ossos saltados. E nessa te conto que minha carência se sacia com minha dose de carinho acumulada, com tudo de afeto que guardei em mim e não tive oportunidade de soltar. Basta um dedo meu em contato com tua pele. Desenharia tua mão, subiria teu braço seguindo as veias saltadas e demoraria até desenhar toda a tua tatuagem. Um contato, pele com pele, e a carência evapora. Pode ser eu a bagunçar cabelos de plumas. Pode ser eu a ilustrar um rosto sereno. Pode ser eu a contornar uns lábios entreabertos e, por fim, pode ser eu a pousar a cabeça entre o ombro e o pescoço e morrer ali uns segundos, criando pequenos círculos com a ponta dos dedos no teu peito nu...A noite chega quase ao meio enquanto eu pinto essa imagem de afago. Sinto o cheiro da pele, imaginação minha. ‘tá sereno aqui nesse quarto, o coração pulsa tranquilo no peito e a saudade se funde na vontade que tenho de. Vê? Não preciso de muito. Só de toque. Só. Toque.

MAFÊ PROBST.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade… ________________________ Alice no País das Maravilhas

Minha doce Alice, escrevo esta carta para lhe contar sobre um assunto que exigiria que eu te olhasse nos olhos enquanto falo, mas não possuo decência para tal feito. Assim, como o covarde que sou, escrevo linhas trêmulas de uma verdade irrefutável: O país das maravilhas não existe. Eu queria alimentar em ti a ideia de um mundo mágico. Mas, onde estamos vivendo, os Chapeleiros, são seres que se perderam em meio à densa nuvem de maldade, e eles não estão conseguindo se reencontrar para estabelecer alguma paz nessa sociedade. Quanto aos coelhos, correndo e olhando seus relógios, estão em toda parte. Acordam às 06:00, trabalham, almoçam, trabalham, jantam e dormem. Às vezes, amam... Mas deixam que seus amores sejam sucumbidos pela ação do tempo. Então, geram filhos, pagam pensão, algumas sessões de terapia, alguma escola integral, e bebem nos sábados a noite. Existe uma rainha vermelha que governa com cetro de aço a vida de cada indivíduo, a ela damos o nome de rotina. Muitos sabem como derrotá-la, a fazem cair do trono por meio de um ataque certeiro, o inusitado. Mas muitos se rendem às suas ordens e viram seus súditos, esquecendo-se das maravilhas que poderiam viver fora de seu reinado. Alice, sei que você está caindo sem paraquedas nesse buraco, mas não desanime, ainda que nade em suas próprias lágrimas, lembre-se de acordar do sonho e manter os olhos bem abertos, minha pequena... Ainda que não esteja no país das maravilhas, pode construir um mundo mágico para si mesma. Acredite em alguma bondade escondida, busque o tesouro que o destino guarda para sua vida, lute suas lutas, Alice, você consegue. Eu sempre vou olhar por você, menina teimosa. No fim dessa história, você ainda vai encontrar a saída de seus pesadelos, mas vai precisar ser sacudida algumas vezes. Coragem! Covardemente, De alguém que te olha em silêncio, que te ama às escuras, que se esconde nos becos da vida para te admirar sem ser notado. Do para sempre que não acontecerá. 


NATH SOARES

Não é bem a vida que faz falta - só aquilo que a faz viver. ________________________ Vergílio Ferreira internet

inernet
Despe-te do dia. Despe-te do reboliço e da confusão. Despe-te. Vem dormir sem nada que te apoquente. Despe-te dos problemas que trazes nos bolsos. Das dúvidas que te assolam a mente. Despe-te. Eu também deixei um nada vestido. Vem só tu. E dá-me um beijo de boa noite.

- Rita Leston -
____________________________
Livro à venda nos locais habituais.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

“Se você é coerente consigo mesmo, o resto é suportável. Eu suporto.” [Hilda Hilst]

Internet
Agora é tarde. Não importa tanta dedicação. Agora não dá mais. A porta está entreaberta apenas para deixar a brisa noturna afagar a alma e refrescar a consciência. Já não me importa todos os tantos de tardia dedicação. Assinalei meu nome na linha da maturidade e não quero contrariar com afetos sortidos, descabidos que mais se parecem registros de arrependimentos. É tarde. Tarde para frouxas evoluções de afeto. Não dá mais! A alma agora está ocupada. Aderi a novas tendências e que não são necessariamente afetivas. Assinei um pacto de redenção com minha alma. Não vigio seus caminhos e ela também não se importa com o destino do seu coração. Agora é tarde para revistar meus ciclos. Enterrei as expectativas. Atualizei meu tema na vida e desimpedi minhas regradas esperanças dos afetos que não me foram destinados. Agora é tarde. Encorajei-me a não acreditar nos carinhos supostamente aveludados de outrora. Perdeu a significância. Agora é tarde. A Inês é morta e passou seu velório. Não estou endurecida. Apenas dispensando o atraso de quem dá as caras no final da noitada com desculpas melosas que antigamente dava rasteira em meu ingênuo coração. Agora é tarde para o que deveria ser. Essa insuspeitada categoria do atraso não mais desarranja a minha concentração. Agora é tarde. Fui capa absoluta de audiência dum apego sem resposta e de uma contracapa de indiferença. A sintonia que eu inventei, esfriou. Requentar não sacia minha fome. Hoje é tarde. Encerrei minha peleja. Resfriei meus melhores versos. Guardei toda minha dedicação. Agora é tarde. Estou a caminho para pleitear outros delitos, porém independentes. Já não me basta esperar e viver no território impreciso do outro. Estivemos tão perto, mas agora é tarde. Nas minhas veias não corre os antigos antônimos. Estou maldisposta para o deslumbre e o sobrevoar do sol cor-de-rosa pintado tardiamente pela sua ilusão. Também não posso dizer que vivo melhor. Nem melhor, nem pior, apenas: agora é tarde. Já ofereci pele, saliva, ânsia, brilho, doçura, filosofia e batimentos cardíacos. Já dei oceanos, sol, estrelas, poemas, canções, primaveras, invernos enroscados e quentinhos com romances embrulhados em papel luminoso. Declarei minhas fraquezas, lerdezas e certezas. Fiz vigília, abracei quarteirões, o coração de vento e anexei amor. Fiz todas as porcarias. Agora é tarde. Demoras me causam calafrios. Desembarquei em outra ilha. Estou na maioridade sentimental. Agora posso opinar. Agora é tarde. 


terça-feira, 19 de maio de 2020

"O mágico nunca conta os seus segredos. O poeta nunca explica uma entrelinha." __________________________ Rita Apoena

Internet
… Sabe, acho que ninguém vai entender. Ou se entender não vai aprovar. Existe em nossa época um paradigma que diz: enquanto você me der carinho e cuidar de mim, eu vou amar você. Então, eu troco o meu amor por um punhado de boas ações. Isso a gente aprende desde a infância: se você for um bom menino, eu vou lhe dar um chocolate. Parece que ninguém é amado simplesmente pelo que é, por existir no mundo do jeito que for, mas pelo que faz em troca desse amor. E quando alguém, por alguma razão muito íntima, corre para bem longe de você? A maioria das pessoas aperta um botão de desliga-amor, acionado pelo medo e sentimentos de abandono, e corre em direção aos braços mais quentinhos. E a história se repete: enquanto você fizer coisas por mim ou for assim eu vou amar você e ficar ao seu lado porque eu tenho de me amar em primeiro lugar. Mas que espécie de amor é esse? Na minha opinião, é um amor que não serve nem a si mesmo e nem ao outro. Eu também tenho medo, dragões aterrorizantes que atacam de quando em quando, mas eu não acredito em nada disso. Quando eu saí de uma importante depressão, eu disse a mim mesma que o mundo no qual eu acreditava deveria existir em algum lugar do planeta. Nem se fosse apenas dentro de mim… Mesmo se ele não existisse em canto algum, se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim, como um templo das coisas mais bonitas em que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce, o mundo seria cheio de amor, e eu nunca mais ficaria doente. E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor por coisa alguma porque ele brota sozinho entre os dedos da mão e se alimenta do respirar, do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania e abrir os braços antes da chuva. Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam. Elas nunca vão embora porque a gente não foi um bom menino. Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos que não consegue mais abraçar e estar perto. Mesmo quando o outro vai embora, a gente não vai. A gente fica e faz um jardim, qualquer coisa para ocupar o tempo, um banco de almofadas coloridas, e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banco do nosso amor, do nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a não sei quantos anos, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas. No mundo de cá, as relações se dão na superfície. Eu fico sobre uma pedra no rio e, enquanto você estiver na outra, saudável, amoroso e alto-astral, nós nos amamos. Se você afundar, eu não mergulho para te dar a mão, eu pulo para outra pedra e começo outra relação superficial. Mas o que pode ser mais arrebatador nesse mundo do que o encontro entre duas pessoas? Para mim, reside aí todo o mistério da vida, a intenção mais genuína de um abraço. Encontrar alguém para encostar a ponta dos dedos no fundo do rio – é o máximo de encontro que pode existir, não mais que isso, nem mesmo no sexo. Encostar a ponta dos dedos no fundo do rio. E isso não é nada fácil, porque existem os dragões do abandono querendo, a todo instante, abocanhar os nossos braços e o nosso juízo. Mas se eu não atravessar isso agora, a minha escrita será uma grande mentira, as minhas histórias serão todas mentiras, o meu livrinho será uma grande mentira porque neles o que impera mais que tudo é a lealdade, feito um Sancho Pança atrás do seu louco Dom Quixote. É a certeza de existir um lugar, em algum canto do mundo, onde a gente é acolhido por um grande amigo. É por isso que eu tenho de ir. E porque eu não quero passar a minha existência pulando de pedra em pedra, tomando atalhos de relações humanas. Eu vou mergulhar com o meu amigo, ainda que eu tenha de ficar em silêncio, a cem metros de distância. Eu e o meu boneco de infância, porque no meu mundo a gente não abandona sequer os bonecos que foram nossos amigos um dia.

Agora em silêncio, ensinando dragões a nadar…

Rita Apoena

"No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio." CFA

Internet
"Medo de se apaixonar Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dele em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção. Nem os anjos, nem Deus agüentam uma reza por mais de duas horas. Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve. Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida.Medo de se roubar para dar a ele, de ser roubada e pedir de volta. Medo de que ele seja um canalha, medo de que seja um poeta, medo de que seja amoroso, medo de que seja um pilantra, incerta do que realmente quer, talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia. Medo do imprevisível que foi planejado. Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue. Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. Medo de que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado. Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente. Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas. Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar, que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas. Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção. Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigas. Medo de que ele não precise de você. Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério ou que banque o sério quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de não ser convincente na cama, persuasiva no silêncio, carente no fôlego. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não soltar as pernas das pernas dele. Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha. Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha. Você tem medo de já estar apaixonada."




Fabricio Carpinejar

domingo, 17 de maio de 2020

"Arrume a cama, o cabelo, o emprego, os estudos e depois – se der tempo entre um seriado ou outro – arrume um amor." ________________________ Hugo Rodrigues


"Ela é solteira. Não sozinha. Ela pinta as unhas de vermelho quando quer. Mas, também, sabe deixar as unhas em cacos quando dá vontade. Esbanja esquisitices ao falar dos seriados prediletos. E se cala quando o assunto é sobre o porquê dela não ter namorado. 

Ela usa vestidos de tricô, daqueles clichês para tomar chá quando o tempo é frio. E bebe cervejas em canecas, como homens pré-históricos. Ela ri de palavrões e de piadas de humor negro. Mas, também, se derrete mais do que picolé em frigideira quando recebe um SMS romântico de madrugada. Mas por que não namora?

Ela acorda, escova os dentes de quem já usou aparelho, toma chocolate quente, se arruma e vai trabalhar. Prefere usar preto. Mas desbanca qualquer havaiana bonita quando inova em alguma vestimenta cheia de flores coloridas. Ela é linda e desconversa. Fala do tempo, do futebol, da novela, da mãe, da crise do Paraguai e do Joseph Gordon-Levitt. Mas por que tu não namoras?

Ela curte os Beatles, os Novos Baianos, Caetano e o Cícero. E fala que eu tenho péssimo tom de voz. Lê Caio, Keroauc, Fante e Gabito. Mas diz que, também, gosta das minhas histórias.

É estranha, também. Assumo. Corta o cabelo de acordo com as fases da lua e gosta de comer macarrão com feijão. Gosta de umas bandas que ninguém conhece e chora com as histórias do Nicholas Sparks. Liga o ar condicionado porque gosta de dormir sentindo frio e acaba repousando feito uma esquimó com meias e edredom. Uma linda esquimó, por sinal. Não sabe usar o celular. Costuma atender as ligações somente após a quarta tentativa de chamada. Não, ela não ignora. Ela perde tempo é procurando o celular na bolsa, debaixo da cama ou na pia do banheiro. Mas, vez em quando, ela sabe ignorar também. Não sabe dançar. Recusa os convites, mas adora ser convidada. Odeia batom e gosta de brincos de pena.

Mas por que ninguém conseguiu ultrapassar esse muro de Berlim que você ergueu no teu peito? Ela desconversa. Ri de canto de boca e me pergunta se eu fumo tentando desviar o assunto pra longe. Eu insisto. Falo coisas demodês e jogo no ar o fato de que eu a acho perfeita. Ela empina o nariz fino, me lança seus olhos verdes escuro e ajeita-se sobre a mesa. Muda o tom e me fala: “Porque eu não quero”. E eu rio sem graça da minha maldita ideia de achar que todo mundo quer ter alguém para dividir os brownies."


Hugo Rodrigues

sábado, 16 de maio de 2020

"Não sabia odiar, pode ser até que não soubesse amar." ___________________ Machado de Assis

Certas tristezas doem mais porque vêm com uma delicadeza infinita. É como se, no lugar do grito, apenas o seu peito espremido, mas mudo. O choro não é contido, mas a voz embargada. A lágrima fica presa na sua expressão e os olhos lânguidos, meio adoecidos, uma beleza de fragilidade na feição. Certas tristezas são muito discretas. Seus hematomas são familiares, suas fraturas não são expostas. E, de tão explícitas, pouco se mostram. Você fica melancólica, distante, quase indiferente ao resto de tudo. Você sabe que vai passar, mas naquele momento não acredita: de tão inapetente, apenas contempla sem saborear a escuridão cobrindo o mundo. É dor que dói em silêncio sem o alvoroço da aflição: espécie de tristeza concisa. É tristeza que dá sono, o cansaço prematuramente perdoado. A vontade de se recolher e se acolher por ter algo que nem ao menos possa ser compartilhado. Certas tristezas vêm como a fotografia de uma árvore frondosa e solitária... Numa paisagem bonita. Certas tristezas grudam em nós à espera de uma boa notícia.




Marla de Queiroz

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Aprendi a amar menos, o que foi uma pena, e aprendi a ser mais cínica com a vida, o que também foi uma pena, mas necessário. Viver pra sempre tão boba e perdida teria sido fatal. __________________________ Tati Bernardi

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.


Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

era uma estrela sozinha,
ninguém olhava para ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:

                                                   - Amanheça, por favor!


A LUA FOI AO CINEMA = Paulo Leminski

Idéias Ao Vento...: "Amanhã fico triste, Amanhã. Hoje não. Hoje fico ...

Idéias Ao Vento...: "Amanhã fico triste, Amanhã. Hoje não. Hoje fico ...: Silencie seu coração e  ouça o que ele tem a lhe dizer. "Quando chove – entre nós – é sinal de um milagre que se av...

quinta-feira, 7 de maio de 2020

" Da não espera acontecem as flores." ________________________ Orides Fontela

março/2020
Sofremos porque imaginamos a vida como algo que não temos. Ao desejarmos a lua cheia deixamos de admirar a suavidade da minguante...Sem querer, desprezamos nossas conquistas, imaginando haver um pote de ouro além do arco íris ou "50 tons de cinza" além daqueles que conhecemos tão bem; De tanto desejar, cortejamos a falta, a insatisfação, o buraco interior que nos faz infelizes enquanto alimentamos a ilusão de estarmos vivos e em movimento. E não percebemos que o que dá sentido à vida não é a busca e sim o encontro, o admitir-se pronto, inteiro, completo _ e também imperfeito e simples.


[Do texto "Vivemos esperando", blog A Soma de todos os Afetos, por Fabíola Simões]

terça-feira, 5 de maio de 2020

"Se procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida." _________________________ Carlos Drummond de Andrade

Segura minha mão, me abraça, Recita poemas, diz frases soltas, me convence que nós ainda podemos ser. Fala baixinho no meu ouvido, se debruça no meu ombro, me rima, soma. Me faz querer ficar, me traz pra perto, me faz querer dizer, e diz. Brinca, deixa a alma se expor, o coração transpor, verso teu e meu numa linha tênue. Código nosso. Sintonia nossa. Incensos e orações tão nossos. Pula, anula, segura no meu laço, decifra, antecede. Planta lírios, açucenas, floresce em mim mais uma vez. Abandona o passado, escreve, desacelera, volta pra casa, desperta meu riso repentino, me traz 'todas aquelas coisas boas'. Traz também a leveza das tuas mãos, do teu corpo, estampa sorrisos pela casa, amanhece em mim. Perfuma com teu cheiro as ausências que se acumularam. Descompassa minhas certezas tortas.


domingo, 3 de maio de 2020

Amei esse passo estranho que abraço, na prece que envolta comigo permanece. Calcei meus sapatos, andei com as estrelas, defendi a imagem sonhada, olvidada e-vivi. (Eloah)

Talvez exista um lugar que negamos haver em nós justamente porque nos pede atenção; e que mais ignoramos quanto mais nos convoca. Um lugar a guardar nossos vazios. Um cativeiro para as nossas rejeições. Um cárcere para todos os medos. Um espaço invisível a desabitar-nos por inteiro desocultado apenas pela inconsciência. A consciência pouco sabe e pouco desconfia. Acredita no que vê. Magoa-se com a palavra. Apaga se ameaçada. Sujeita às interrupções. A inconsciência é o palco em que a vida se ouve mesmo calada. Sabe da lágrima, da culpa, dos nós. Aguarda-nos no sonho, na palavra, no erro. Espera-nos do lado avesso da liberdade. Uma liberdade que preservamos às custas deste lugar que negamos haver em nós e que nos convoca. A liberdade que somente acreditamos. Aquela que não é. Aquela onde nunca estamos.


Guilherme Gonçalves