quinta-feira, 29 de março de 2018

"Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem." ______________ (Lucas 23:34)

Ao pé da Cruz estava João, modelo de fidelidade. Ele sabia cultivar e colher este fruto do Espírito, porque puro e sincero era seu coração. Sua mente sempre limpa fizera com que merecesse reclinar a cabeça sobre o peito do próprio Cristo na Última Ceia e percebera ao vivo a intensidade do amor que palpitava naquele oceano de dileção. Eis por que firme era seu afeto para com Jesus e esta dileção não conhecia barreiras, não contemplava óbices, não podia nunca ser rompida. Assistira João a morte do grande Amigo e não se aparta d’Ele após o desenlace fatal. Como é comovente lembrar que no Calvário se achavam as piedosas mulheres: Maria Madalena, Maria Cléofas e Salomé. Fascinadas pela grandeza do divino Redentor, d’Ele não se podiam apartar. Eletrizadas pelo heroismo que contemplavam, não se compadeciam em se afastar da Cruz. Encantadas pelo mistério daquele Homem que, exulado do céu pelo Pai extremoso, na terra, era assim martirizado, subjugadas pela perplexidade de tamanhos tormentos, elas estavam, ali ao lado do Morto divino. Belíssima lição de intrepidez e dedicação na hora do perigo, da desgraça, do desar. Maria Madalena chorava seus pecados. Fora benignamente perdoada, mas agora ela compreendia melhor ainda a gravidade de suas faltas que pesaram tanto no sofrer do Mestre querido. Ao pé da Cruz, porém, estava vivo, palpitante outro padecimento. Dor silenciosa e muda, mas profundamente sentida. Aflição interior, heroicamente contida, que não se exteriorizava nem pelo soluço. Amargura incomensurável e pungente, mas com características próprias, com sua modalidade peculiar. Era Maria que nas horas de tanto sofrimento, de tanta angústia foi bem a perpetuação de sua adesão à obra redentora. Era Senhora das Dores a ratificação sublime e excelsa de seu pensamento e de sua vida toda aglutinada e vivida em função da homenagem a seu Deus Criador. O culto da divindade foi continuamente a marca essencial de sua existência e o fundamento de sua personalidade. Deus Criador ao qual vivia em reverência e subordinação contínuas. Diante da Cruz, aderida aos sofrimentos do Filho, acompanhou de perto todos os desvarios da massa humana descontrolada. Entregue à sua tristeza, Maria, durante o tempo em que ali estivera, sofreu, incomensuravelmente, tudo que acontecia a seu amado e dileto Filho. Estava petrificada pelo sofrimento e presa à mais desabrida amargura. Era bem o templo da dor, a casa da consternação. Dores mais profundas e diferentes, porém, iriam esmagar o seu coração amantíssimo. Fariam vibrar todas as suas fibras de pena e de horror. Isso porque seriam da surpresa, da estupefação, do assombro, do espanto, da saudade os padeceres que ainda a aguardavam. Eis por que, enquanto na natureza se esvaeciam as perturbações exteriores, cresciam as ondas interiores da tribulação mais desabrida que invadiam o seu coração materno a contemplar morto o Filho dileto, pregado numa ignominiosa cruz. Regularizadas, contudo, todas as exigências da lei, dadas amplas explicações às autoridades de então, obtida a indispensável licença, mãos piedosas retirariam o Corpo de Jesus da Cruz. José de Arimatéia, célebre cidade de Judá, seria imortalizada pelo gesto intrépido de seu ilustre filho, ela, a famosa Rama, pátria do grande Samuel, José de Arimatéia, príncipe do Sinédrio, realizaria o significado de seu nome sublime. José quer dizer “Deus dê aumento”. Ele aumentou a admiração dos pósteros para com sua pessoa destemida com o gesto grandioso que coroou o refinamento de sua intrépida delicadeza, quando pediu a Pilatos, audacter – ousadamente, o Corpo de Jesus. Subiu as escadas para, da verdadeira árvore da vida, descer o Autor da vida morto por amor. Nicodemos, nobre fariseu, membro do Sinédrio, um dos poucos judeus graúdos que reconheciam Jesus como Messias, vencedor do povo – niké/demos -, venceu definitivamente o medo que também era ele discípulo oculto do Mestre e isso por temor dos judeus. Inscreveu o seu nome vitorioso nos anais dos belos feitos. Eram dois admiradores de Jesus que, publicamente, O homenagearam. Antes, eram pusilânimes, medrosos, covardes, tímidos, timoratos. No momento, porém, da humilhação suprema do Rabi amado, quais dois leões indômitos e animosos, sem receio da opinião da classe dominante nem de outros muitos que também aprovaram a perseguição a Jesus, intrepidamente, proclamaram sua dedicação ao Amigo a quem antes procuravam ocultamente. No instante da desdita, entretanto, eles O sabem honrar. Belas lições nos deixaram.


Desconheço a autoria

Algumas coisas são explicadas pela ciência, outras pela fé. A páscoa ou pessach é mais do que uma data, é mais do que ciência, é mais que fé, páscoa é amor.

Porque procurais entre os mortos
Aquele que esta vivo?
Não esta aqui. Ressucitou
(Lcs 24:5-6
Ainda hoje somos homens e mulheres de passagens; somos filhos da Páscoa. Os mares existem; os cativeiros também. As ameaças são inúmeras. Mas haverá sempre uma esperança a nos dominar; um sentido oculto que não nos deixa parar; uma terra prometida que nos motiva dizer: Eu não vou desistir! E assim seguimos. Juntos. Mesmo que não estejamos na mira dos olhos. O importante é saber, que em algum lugar deste grande mar de ameaças, de alguma forma estamos em travessia. A semana é santa por que Jesus expulsou os mercadores do templo e trouxe a ordem para a casa de seu Pai. É santa por que Jesus reuniu todos seus discípulos e com eles repartiu o pão e o vinho ensinando o mistério sagrado da comunhão. É santa por que Jesus não fugiu de seu destino e carregou a cruz com o peso de todos os pecados e nela foi crucificado para redimir nossos erros e nos mostrar o que é o verdadeiro amor. É santa por que Jesus desceu à mansão dos mortos e ressuscitou no terceiro dia, subiu aos céus e ocupou seu lugar ao lado de Deus Pai Todo Poderoso. A semana é santa por que graças ao sacrifício do filho de Deus nos foi revelado o caminho para chegarmos até Ele. 

Feliz Páscoa

quinta-feira, 22 de março de 2018

Mais de uma vez disse que amava o outono, por ser simples e nada exagerado. Ela achava que outono era feito poema, bordado de arte. Outono era alimento para os olhos, enfeite da alma. Era o encanto, renascer, ser novamente. Isso era contagiante, causava vontade de viver mais. ____________________________ (Manuella, a menina que amava o outono)

Não percebi a chegada do outono. Mas eu sentia que estava embarcando numa nova estação: todas as árvores que (não) plantei, de repente, estavam nuas. E eu caminhava num tapete de folhas e flores. Os caminhos também se estreitaram e tive uma sucessão de perdas, ou melhor, tive uma sucessão de trocas. E assim, como toda pessoa que tem um coração pulsando, fiquei assustada demais com as mudanças. Mas agora já consigo perceber beleza na nudez de cada uma das minhas árvores prediletas. Elas apenas estão trocando de roupa enquanto eu troco de pele, tamanha cumplicidade.



Marla de Queiroz

quinta-feira, 15 de março de 2018

Pensei em ti com um suspiro de outono ... Nessas ilhas de distâncias, cheias de ruídos do passado, Um sonho familiar flutua ao meu redor ... Amar é uma coisa demasiado pura, Mas, ou aqui jamais chegaram tuas cartas de amor, Ou eu nunca soube ouvir teus lamentos... Poemas perdidos… ___________________________________ (Adilson Shiva)

março/2018
Eu vivo no mundo das ideias. Só que, com toda certeza, o mundo das ideias de Platão não é o mesmo em que eu piso. No dele, tudo era perfeito. O meu tá mais pr’aquele jardim do filme “A Cabana”, caótico à primeira vista. O jardim das ideias de Platão foi definido por um paisagista de primeira. Grama aparada, árvores podadas… O meu é uma selva, cheia de simbioses. Um caos harmônico. Imperfeitamente perfeito. Plenamente incompreensível em sua totalidade à minha humilde inteligência, mas totalmente conexo se visto de um prisma mais amplo. Eu vivo imersa no mundo encantado das ideias. Pra ser muito honesta, acho que só ele existe, minhas ideias sobre o que as coisas são, pois, em absoluto, não as conheço completamente. Não posso conhecer as coisas, porque mudam a todo instante. Até eu mudo, de modo que, se me conheço agora, no instante seguinte, posso me tornar alguém surpreendente até para mim mesma. Há horas em que pareço estar jogando um jogo e, quando domino todas as regras, a vida muda o tabuleiro e eu já não sei. Não sei como se joga e nem quem sou frente ao encontro com as novas circunstâncias. Necessito de tempo para me conhecer novamente. Para me re-conhecer. E quando finalmente me re-conheço, não tarda, a vida muda novamente, me fazendo cedo despedir-me do “eu” a que acabei de me afeiçoar. Em última instância, a vida se resume a despedidas. Despedidas daquilo que fica, posso dizer, porque o que fui sempre permanece parte daquilo que estou me tornando. As lições do passado me pertencem, me compõem e, vez por outra, eu o revivo e dele extraio novos ensinamentos. Ele se vai, mas, de algum modo, ele também fica.   _____________________   Talita Dantas




Não, Tempo, não zombarás de minhas mudanças!
As pirâmides que novamente construíste
Não me parecem novas, nem estranhas;
Apenas as mesmas com novas vestimentas.


William Shakespeare

domingo, 11 de março de 2018

Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. ________________________ Martha Medeiros.

Um desvario. É disso que se trata. O amor é uma sandice. Um desvio do caminho de dor em que a vida mergulha de quando em vez. É isso, sim. No meio de tanta estupidez e medo e indiferença, vem alguém tomado de coragem, declara seu amor em voz alta e sai sorrindo um parque de diversões e seus carrosséis, rodas gigantes, montanhas russas. O amor é a maior ousadia da vida. É quando ela, abusada que só, ignora a morte à espreita, realiza, avança, provoca, acontece. Quem ama quer acordar mais cedo e viver até tarde. Amar é se dar conta de que estamos vivos. É a intenção sagrada que nos põe sobre os pés de manhã, a saudade honesta, o trabalho de cada dia. É a noite, a lua e o susto de não estar mais só. Amar é um desacato à autoridade dos pessimistas, mal-amados, donos da verdade, descrentes da felicidade, vigias da vida alheia e toda torcida contra. Quem ama desobedece à lógica do um contra o outro, a fórmula do cada um por si, o vício odioso do confronto. Sentir amor é o absoluto inesperado em tempos de pré-disposição para a maldade. Quem tem bravura para dar e receber amor desafia a danação, a selvageria e a morte. Tomados de ímpeto amoroso, os amantes esquecem que um dia também vão morrer. E quando por acaso se lembram, repousa mansa em sua lembrança a certeza de que ao morrerem permanecerão vivos do outro lado, trabalhando pela eternidade de seu amor. Tem gente que escolhe sofrer, penar, regar sentimentos daninhos, cultivar pragas que desgraçam o roçado aos poucos, em silêncio. Eu escolho viver. E o amor há de ser isso mesmo, quem sabe? O ofício de cuidar da vida. De plantas, flores, sonhos, pessoas, amar é cuidar bem da vida. Limpar-lhe as folhas, molhar a terra, fortalecer as raízes. Proteger, respeitar, servir. Florescer. Noite dessas, do meio de sua solidão, alguém me escolheu para amar. Veio, tomou meu coração nas mãos e eu entreguei-lhe o resto. Agora seguimos juntos, preparando nossa horta, planeando nossa obra. Rompendo firmes nossos transtornos.
março 2018
Construindo possibilidades, trabalhando pela vida que é boa agora e há de ser melhor amanhã. Porque, afinal, quem ama não tem medo de trabalhar pelo amor. E o amor dá trabalho! Viver e amar dão muito, muito trabalho.