domingo, 25 de novembro de 2018

Pra amar, tem que doer um pouco. Porque dói, é uma descoberta, é uma mudança, é um se ver no outro, é um ver o outro exatamente como ele é - e ainda assim amar." ________________________ Clarissa Corrêa

"A vida é muito curta, 
para que se perca tempo 
numa existência medíocre".
Leandro Karnal
Guimarães Rosa dizia: “O que a vida quer de nós é coragem”, e eu concordo plenamente, pois somos a sucessão de escaladas e abismos, somos nossa tormenta e nossa redenção, o início e o fim de nossas inquietações. Travamos batalhas interiores diariamente, e conseguir conduzir nossos pensamentos, emoções e desejos a um lugar de paz é nosso maior desafio. Outro dia assisti a um vídeo do filósofo Leandro Karnal e me encontrei em suas palavras. Ele dizia que o pensamento das mulheres é um pouco distinto ao dos homens no que se refere à zona de conforto. Dizia que os homens são mais inclinados a permanecer na zona de conforto, enquanto as mulheres procuram mergulhar mais profundamente em seus sentimentos e emoções. Resumindo: somos mais inclinadas a questionar, debater, trazer à tona aquilo que não é escancarado mas não pode ser sufocado. Às vezes, para conseguir escalar a cordilheira, a gente precisa recuar um pouco para recobrar o fôlego. Assim também acontece que, às vezes, para seguir em frente, precisamos nos reconciliar com nosso passado, com nossa história. Não temer destampar antigos curativos para que possam ventilar; arriscar cair um pouco para então se levantar; ousar desatar antigos nós para enfim continuar. Olhar para trás e encarar o que doeu, o que feriu, o que machucou não é simples e não acontece da noite para o dia. Muitas vezes passam-se anos até que possamos ter coragem de rever a dor, para que ela não nos defina mais. Permanecer na zona de conforto nos protege, mas não nos ensina a transformar os cacos de vidro em novos vitrais. Às vezes temos que dar um tempo nas linhas retas onde escrevemos nosso presente para rever as linhas tortas que deixamos para trás. Quem sabe assim a gente consiga acertar aquelas pautas também, nem sempre usando a borracha, mas entendendo e perdoando o contorno daquilo que de alguma forma saiu dos eixos. Só assim permanecemos livres e prontos para o que vem pela frente. Eu acredito que, na maior parte do tempo, somos as experiências que vivemos, as pessoas que amamos, as saudades que deixamos, as escolhas que fizemos. Por isso, tudo precisa estar em equilíbrio; qualquer linha solta, mesmo que no início de tudo, pode modificar o desenho final. Muitas vezes preferimos não saber, não lidar com isso, não cutucar o vespeiro. Mas ele está ali. Mesmo que a gente não olhe pra ele, ele continua à espreita. Então é preciso coragem e disposição para sair da zona de conforto. Para ousar retroceder e só então alcançar o cume da montanha…






FABÍOLA SIMÕES

sábado, 17 de novembro de 2018

"Ela foi colecionando, uma lista secreta de músicas românticas, para a eventualidade de aparecer alguém com quem possa ouvi-las e, quem sabe, dançá-las. Felizmente, há músicas que têm esse carácter das coisas eternas."

Gramado RS/ out 2018
Certa vez eu li uma crônica em que o escritor Mario Prata descrevia o desabafo indiscreto de um criado mudo — aquele móvel que fica estacionado num canto de um cômodo qualquer. Na referida crônica, o autor citava um episódio de mudança residencial em que o criado abandonou seu “status mudo” e ao cair no processo de deslocamento, escandalosamente revelou as intimidades que habitava seu interior: como lembranças particulares e nomes de alguns livros nunca lidos. Aparentemente, esta inofensiva peça detêm a função decorativa e/ou acumulativa. No meu caso, a função acumulativa sempre foi adotada e a última gaveta se tornou o destino certo para esconder minha nostalgia e calar a dor sentimental que insiste em — silenciosamente — fazer um estrondo no meu peito. Todas as minhas lembranças fotográficas daqueles anos foram endereçadas para aquele criado, antes mudo, agora desagradável e ensurdecedor. Ontem ele resolveu abrir uma de suas bocas — logo a boca que me faz sofrer — , jogando na minha cara cenas de muita felicidade. Descobri de forma trágica que sentimentos bons não tem prazo de validade e que a lembrança que tanto aflige é um bumerangue, que é lançado ao léu e quando menos se espera, volta com tamanha e assustadora intensidade. Lembrei das juras eternas que enfatizavam nossas conversas e não consegui encontrar o caminho no qual a nossa afinidade se perdeu. Cogitei a possibilidade de rasgar todas as fotos e destruir o maldito movelzinho, mas nossa história tem uma espécie de backup no meu cérebro, que não permite — por mais que eu queira — realizar nenhum tipo de alteração ou remoção. Já pensei em passar diante do seu portão e aguardar seu modo clemente me ofertar aquele abraço tão imaginado e esperado. Também cogitei inúmeras vezes a possibilidade de passar diante de você trajando todas as peças do meu orgulho, omitindo minha genuína tristeza e esbanjando um falso estado de superação. No entanto, tenho absoluta certeza das dores que irei sentir ao reprisar cenas de um passado, outrora mágico e arrebatador. Tentei transferir o conteúdo daquela última gaveta para um cofre secreto, trancá-lo com auxílio de um cadeado sem chaves e calar na base da opressão, memórias  de todo meu arquivo mental. No momento exato abriu-se a primeira gaveta, revelando boleto do cartão de crédito, guia de arrecadação do IPVA e IPTU e aquela gigantesca conta telefônica, prestes a atingir a data limite de pagamento. Neste instante percebi que não adianta ocultar sentimentos — independente da sua intensidade, forma ou origem — , mais cedo ou mais tarde eles vem à tona. Tento administra-los e mostrar a mim mesma que eles são o combustível que impulsiona a vontade de estar viva.

Maldito criado mudo, abrigo das dores ocultas.


Diego Augusto- Adaptado


domingo, 4 de novembro de 2018

"Guardo meu coração para depois, ainda não sei o que fazer com a parte que era tua." _______________________ ___(Cáh Morandi)

Arquivo Pessoal
Você não é novo aqui.  Teu signo. Tuas reticências. O jeito que escreve. Você é meu padrão; minha história gasta. É a mesma casa velha de outrora que ouso decorar com teu nome; com tua cor. Mas que canta outras músicas e já que não consigo te matar, mantenho-te vivo, pois você é a lição que ainda não aprendi. A dor que ainda não superei. É o livro de páginas repetidas em que encontro minha vaidade e minha verdade. E o enredo que é teu, fala de mim. Do outro fruto que colhi, tens o mesmo gosto. Chamo pelo novo e é o velho que ecoa. Reconstruo o passado que se faz presente. E não consigo achar um final para você. Para nós dois. Você é  o mesmo que inevitavelmente me persegue e me encontra, já que andamos em círculo. Por saber meu endereço. Por saber em que canto de mim guardo meus segredos. E você vem sempre do mesmo jeito, mesmo que de outras formas, pra me lembrar que não estou aqui para reclamar, mas para transcender e transbordar.

(Guilherme C. Antunes)