quarta-feira, 10 de março de 2021

Mulheres são donas dos labirintos. Os cegos de alma e de amor se perdem nelas. ________________ Fernando Coelho



Há uma outra mulher oculta em ti. Desmintam os outros, desconversem os amigos, ignorem os familiares. Há uma outra mulher e uma outra vida ocultas sob o teu próprio corpo, por ora invisíveis aos teus próprios olhos, mas tuas por sagrado direito. Uma mulher não mais regida pelos signos do zodíaco ou pela insegurança. Uma a não depender da sorte ou se entregar ao destino enquanto se aguarda. Uma que não se prestará aos medos ou às migalhas. Há uma mulher oculta em ti, que aprendeu a desculpar a si e a perdoar os outros. Uma que não mais carrega os dramas afetivos do passado, as complicações com seus pais e ausências tantas que ocupam no coração, lugar reservado ao amar. Uma mulher que aprendeu a prestar contas somente à liberdade e não mais aos olhos de ninguém. Uma mulher que descobriu no travesseiro caberem sonhos e não tristezas. Há uma mulher oculta no teu sangue, desmintam os médicos, desconversem as carências, ignorem os familiares, que aprendeu a dispensar e a despedir. Que sabe se cuidar sozinha, que sabe se curar sozinha, porque sabe se amar sozinha. Há uma mulher oculta sob o teu próprio nome, que desaprendeu ansiedades e ressentimentos. Uma que descobriu ser maior do que jamais pensou um dia se tornar e que te aguarda paciente para isto. Uma que te verá aportar na tua própria leveza com teus tons de milagre. Há uma mulher oculta na outra margem de ti, distante dos cansaços e das resignações; que aguarda tomar o teu lugar e se permitir falar, chorar e gozar da alma, do corpo e dos cálices de vinho. Uma que confessará desejos, expulsará demônios e idiotas. Uma mulher que cravada em tua carne e feita de estrelas não te adoecerá dos escuros porque deixou de acreditar neles no instante que amanheceu. Há uma outra mulher oculta em ti a querer fazer-te outra e torná-la pública, como principal personagem no palco da tua vida, sem vergonhas, mágoas e chances perdidas. Tu és a bela adormecida oculta a si mesma que não se deu conta que o que esperas é o teu amor próprio despertar-te para si e fazer-te feliz para os sempres.


Guilherme Antunes

quarta-feira, 3 de março de 2021

Volta e meia entro numa cilada meio exotérica – nem sei bem como isso funciona, mas entro – e passo a acreditar em nuvens de algodão... ______________________________________ Marina Melz

Descansar a cabeça doente em areias claras. Não sentir culpa ao mimar os olhos com as reverências das ondas. Pensar nele de vez em quando. Nos objetivos, sempre. E desejar a água de coco mais gelada. O silêncio acobertando inquietações. As conclusões erguendo-se abatidas. Uma esperança de que nada mude. Mas que graça teria se tudo permanecesse? Cansar-se do conforto produz estímulo. Temperar a vida buscando momentinhos felizes. Posso pensar mais um pouco? Enquanto observo o mar escurecer cheio de adeus. Posso? Posso saciar a mágoa com lágrimas? E posso protegê-las da exposição? Só quero encontrar alguma coisa que sei bem o que é. Mesmo assim venho sonhando, durante as tardes, que preciso. No momento, minhas boas intenções sofrem. Minhas mãos. As ideias. A segurança. E tudo pode parecer tão recente. O grito sem propósito. Eu não deveria ter passado a tinta por cima da angústia que me cerca. Mas que outro jeito conheço eu para escapar das tristezas? Quero continuar seguindo. De perto. De longe. Com algumas restrições. Revezo a atenção entre consequências e bisbilhotadas ao céu que se maquia de vermelho. E decido. Me interromper? Nunca.

Priscila Nicolielo