segunda-feira, 28 de setembro de 2020

"Vou ser doutora da alma" - pensou a menina. E lá foi ela tratar de fazer poesia."

Tem dia que a gente acorda saudade. E tudo o que o dia pede é uma varanda com vista pro sol e uma cadeira de balanço. Revirar os guardados e desfiar memórias que trazem riso. Nos dias em que se acorda saudade, tudo a nossa volta faz lembrar alguém, o café da tarde, o fogão a lenha, nós crianças, caçando vagalumes - um amontoado de histórias bonitas. E um mundo que não tinha complicação. No meu ontem o mundo era bonito e sem dor. Os medos eram sempre remediáveis. E tudo se curava com colo de mãe. Com beijo de vó, banho quentinho, chá e biscoito. Tudo terminava em riso, ou pelo menos, num abraço bom. O tempo era longo e pressa só existia no dicionário. As tardes eram gastas pulando amarelinha, brincando de boneca e jogando bola na rua. As noites só chegavam depois de muito brincar. Depois era só cair num sono duro, mas sem bicho-papão. Tem dia que a gente acorda poesia. E tudo o que o dia pede é um mundo colorido, sem embaraços e só quem tem os olhos encharcados de poesia pode ver. Só quem tem olhos de sol é que bate o olho na pedra e vê uma garça. Vê o azul rasgar horizontes. Vê sapo chamando chuva e passarinho trocando asas. Nos dias em que se acorda poesia, tudo a nossa volta é casa do amor. Tudo tem Deus morando dentro. E nesses dias a gente espera ficar pra sempre.


Cris Carvalho

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Pra mim; Deus é isso: Beleza que se ouve no silêncio...______________________________________ Rubens Alves

setembro 2020
Os rios recebem, no seu percurso, pedaços de pau, folhas secas, penas de urubu
E demais trambolhos. Seria como o percurso de uma palavra antes de
chegar ao poema. As palavras, na viagem para o poema, recebem
nossas torpezas, nossas demências, nossas vaidades.
E demais escorralhas. As palavras se sujam de nós na viagem.
Mas desembarcam no poema escorreitas: como que
filtradas. E livres das tripas do nosso espírito.


(Manoel de Barros)