quarta-feira, 20 de maio de 2020

“Se você é coerente consigo mesmo, o resto é suportável. Eu suporto.” [Hilda Hilst]

Internet
Agora é tarde. Não importa tanta dedicação. Agora não dá mais. A porta está entreaberta apenas para deixar a brisa noturna afagar a alma e refrescar a consciência. Já não me importa todos os tantos de tardia dedicação. Assinalei meu nome na linha da maturidade e não quero contrariar com afetos sortidos, descabidos que mais se parecem registros de arrependimentos. É tarde. Tarde para frouxas evoluções de afeto. Não dá mais! A alma agora está ocupada. Aderi a novas tendências e que não são necessariamente afetivas. Assinei um pacto de redenção com minha alma. Não vigio seus caminhos e ela também não se importa com o destino do seu coração. Agora é tarde para revistar meus ciclos. Enterrei as expectativas. Atualizei meu tema na vida e desimpedi minhas regradas esperanças dos afetos que não me foram destinados. Agora é tarde. Encorajei-me a não acreditar nos carinhos supostamente aveludados de outrora. Perdeu a significância. Agora é tarde. A Inês é morta e passou seu velório. Não estou endurecida. Apenas dispensando o atraso de quem dá as caras no final da noitada com desculpas melosas que antigamente dava rasteira em meu ingênuo coração. Agora é tarde para o que deveria ser. Essa insuspeitada categoria do atraso não mais desarranja a minha concentração. Agora é tarde. Fui capa absoluta de audiência dum apego sem resposta e de uma contracapa de indiferença. A sintonia que eu inventei, esfriou. Requentar não sacia minha fome. Hoje é tarde. Encerrei minha peleja. Resfriei meus melhores versos. Guardei toda minha dedicação. Agora é tarde. Estou a caminho para pleitear outros delitos, porém independentes. Já não me basta esperar e viver no território impreciso do outro. Estivemos tão perto, mas agora é tarde. Nas minhas veias não corre os antigos antônimos. Estou maldisposta para o deslumbre e o sobrevoar do sol cor-de-rosa pintado tardiamente pela sua ilusão. Também não posso dizer que vivo melhor. Nem melhor, nem pior, apenas: agora é tarde. Já ofereci pele, saliva, ânsia, brilho, doçura, filosofia e batimentos cardíacos. Já dei oceanos, sol, estrelas, poemas, canções, primaveras, invernos enroscados e quentinhos com romances embrulhados em papel luminoso. Declarei minhas fraquezas, lerdezas e certezas. Fiz vigília, abracei quarteirões, o coração de vento e anexei amor. Fiz todas as porcarias. Agora é tarde. Demoras me causam calafrios. Desembarquei em outra ilha. Estou na maioridade sentimental. Agora posso opinar. Agora é tarde. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário