domingo, 24 de maio de 2015

Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite. _________________________________ Alejandra Pizarnik

Ambos sabemos que do outro lado das palavras de coragem és guria assustada, e sabes tanto quanto eu que felicidade não entra em gaiolas, mas tu passaste a caber muito bem nelas. Ganhaste asas nas letras, mas na vida desaprendeste a voar. Mergulhas nas imensidões da literatura mas és escrava dos medos ao voltar para casa. Conquistaste as palavras e os outros com teu charme, mas não a ti mesma. Enquanto falas, sem perceber confessas o que não tens como se tivesses, e o que não és como se fosses. Querida, venho por meio desta, desmascarar-te um pouquinho desta tua pose de boa moça. Permita-me analisar tua poesia como o teu oculto desespero, diagnóstico que farejo entre as muito bem construídas frases que versam pretensa liberdade que prescreves aos outros. Por isto, este recado é para ti, moça prendada nas receitas para qualquer dos males da tristeza, mas que ainda não tomaste qualquer remédio; que apenas multiplicas enganos com outros muito bem arrumadinhos.Tu ensinas sem nunca ter usado a lição. Tu que não escolhes o inteiro por medo de seres inteira e enfrentar os amanhãs. Tu que moras confortavelmente com tuas angústias mas não queres o incômodo de desalojar ninguém da vida, e nem do peito. Tu que vendes certezas e compras mais dúvidas do que suportas. Tu que carregas nome tão bonito mas atendes pelo sobrenome da fraqueza. Tu que esperas da sorte, do acaso, do outro e até das conjunções planetárias alguma facilidade para ganhar vida nova, fingindo não saber que não se ganha uma, mas se conquista. Pois é, eu vejo muito bem você. Permita-me querida, desmascarar-te ao tempo em que me desmascaro também.
(Guilherme Antunes)

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