segunda-feira, 19 de junho de 2017

"Ah, se eu pudesse escrever com os olhos, com as mãos, com os cabelos - com todos esses arrepios estranhos que um entardecer de outono, como o de hoje, provoca na gente." [Caio F, Limite Branco - capítulo XIX - diário IX]

Arquivo Pessoal
Então o outono vai se ajeitando na gente. Ou a gente vai se acomodando no outono da vida. Ameno tempo. De silêncio e manhãs geladas. A gente só aprende mesmo é com a idade. Que a ordem das coisas não é proporcional às vontades. A vontade é própria. Resta é o se ajeitar. Ao frio. À fome. À saudade. Às pequenas grandes rejeições, frustrações, com mimos de toda espécie de delicadeza que nos faça seguir ao sabor desta força que sopra e comanda, e só avança. Avançar. Abraçar o que há. Há de ser o que de melhor houver. E se não for bem daquele jeito, arranja-se um jeito de se, novamente, se ajeitar. Se aninhar nas sensações. Pro frio, o agasalhar. Pra fome, o alimentar. Pra saudade, o suspirar. Pra o que não foi, o imaginar. Para o que pode ser, o esperar. E para todo resto, o viver. Catando folha pro ninho ser o mais quentinho que der. E se não der, esperar o dia em que há de ser. Porque é o que a gente descobre. Prestando atenção. Tem tanto mundo lá fora, passando perrengues de toda ordem, e indo, seguindo o ritmo das estações, das condições, das aflições, e da pequena comemoração do entardecer de mais um dia ter nos permitido ser. Ser o que somos na medida em que vivemos. Em que habitamos este chão, e sobretudo, nosso próprio chão. Habitar-se. Ajeitar-se. E para o frio de dentro, canções. Para a fome de dentro, talvez o cultivo das melhores intenções. E sonhos. E desejos de que tudo avança. E a gente se esbarra. Com novidades. Com surpresas. Com sustos, ou sortes, com tristezas e alguma cura, com saudades e o capricho dos acasos, com o choro, e com a calor do consolo, que vem de singulares menções. Uma troca aqui, outra acolá, uma boa noticia, gente junto, gente que pensa junto, sintonias, inconscientes que se aproximam, instigam, te levam pra frente, ainda que frente seja o destino, o Universo, e todos os versos que ainda hão de rimar, outono com sono, folhas caídas com esperanças renascidas, murchar com aguar, entristecer com acontecer, idas com voltas, quedas com cascatas, águas com flores lilases, e caminhos com beijos, e beijos com trechos de alguma canção que não foi feita pra ser esquecida. A vida, essa menina sabida que tem por mania nos lembrar que só o que importa é achar, um dia por vez, um bom jeito de se ajeitar. Nas estações.

Be Lins
voltando pra casa,
 pausa para fotografar o por do sol
de outono

jun/2017



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