domingo, 28 de novembro de 2021

"Sem aviso, o vento vira uma página da vida" _______________ Helena Kolod.

Represa Jurumirim Avaré SP_
Todo dia ajustar um pouquinho o olhar, os gestos, os pensamentos, revisitar os sonhos e atualizar a lista de bênçãos e aspirações. Contemplar tanto e lembrar que, na escrita, isso também é produtivo. Ter aquela hora do dia em que alguma coisa é gatilho pra ansiedade e lembrar que os gatilhos existem, mas que tem também aquela outra hora em que eu me observo sendo feliz e constato "nossa, como a alegria me cai bem!": é pra guardar tudo isso na memória do corpo: "células nervosas que disparam juntas permanecem conectadas". Se você entende a estrutura fica mais simples. Faz frio às vezes, chove na praia, mas o rosto virado pro oeste recebe o vento úmido e pensa: quantas sensações cabem nesse instante? Vocês já perceberam que quando a gente tá agoniada não consegue apreciar nem a paisagem mais bonita? Vocês já perceberam que quando a gente tá sossegada até a nuvem chumbo traz leveza? Pois eu tento estar preparada para as coisas incríveis ensinando o coração: se essa fosse sua última oportunidade de contemplar a beleza você ia escolher mirar o pôr do sol imaginando como será o nascente? Às vezes a razão é quem ensina o coração a ser inteiro. Tem muita sabedoria nos clichês. Então eu só consigo falar de amor se for assim: dentro da paisagem, do processo, da estrutura, da trama, da teia, das sinapses porque isso é tudo o que eu tenho vivido ultimamente. Porque eu passei tempo demais explorando apenas universos alheios: foi necessário, sempre tinha algo fabuloso, mas se você fica muito tempo só mergulhado ali, você só vê aquilo que o Outro quer mostrar, ou o que você acha que captou do que o Outro não quis mostrar. Criar ilusões pode virar uma especialidade e você precisa de uma sucessão de ilusões para sustentar a primeira. Descriá-las depois é uma desconstrução tão profunda que pode custar tudo o que você tem. Resta fazer todo o caminho de volta, mentalmente, até chegar naquele lugar do "ah, então foi aqui que eu comecei a me autoboicotar... mas quem eu posso ser além dessa dor?"




Marla de Queiroz



 



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