quinta-feira, 23 de novembro de 2017

E não há quem desconfie quais ventos e amores a carregam __________________ Guilherme Antunes

Ela quer ir embora de todos os fracassos. Ela não quer a cura, mas livrar-se deles. Ela tem urgências que apoiam a estupidez de insistir naquilo que diariamente a diminui. Busca o amor a ponta pés, embola a linha dos caminhos e fatalidades, barganha com a felicidade seu próprio sofrimento. Ela engole palavras pontiagudas e morre pelo excesso de mundo, diariamente. Ela reza de costas para os amanhãs e distrai-se frente aos precipícios. Ela discorda dos erros mas os promove. Ela anuncia esperanças mas as boicota. Seu altar são as fugas que enfeita. Seus deuses são convocados pela tristeza. A gratidão resvala no seu corpo e este expulsa a sua sorte. A porta estreita, a porta aberta, o peito aberto mantém-se dela segura distância. O sonho é o lugar onde se corrige. Ela quer ir embora de todos os medos. Ela não quer a cura, mas livrar-se deles. Busca o amor cheia de dentes para dilacerá-lo na sua casa. Ela não quer somente a cura, mas livrar-se dela. Dela mesma. Como se ela não fosse sua própria casa, seu próprio amor, sua única esperança e inevitável destino.


Diariamente.



Guilherme Antunes


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