sexta-feira, 6 de maio de 2016

É preciso ter a dor de sentir que a vida não tem roteiro. Na vida não existe nada seguro. Quem gosta de abismos tem que ter asas. ______________________ Antônio Abujamra.

- Quer um conselho?
- Hum.
- Esquece o chão.

Pedro Antônio de Oliveira.
A dor não parte de nós arrancando-a à força de dentro do peito. A dor não se retira com simpatia, convite, súplica ou reza braba. A dor não se convence por qualquer conversa ou estratégia de fuga. Atalhos não são caminhos. A dor é grau de realidade a convocar-nos, empurrando-nos para fora das habituais zonas de conforto. A dor grita-nos verdades sem conveniências ou filtros de entendimento. Celebra seu ciclo para então em nós se despedir, desalojando-se somente quando nossa luz retorna de viagem, trazendo na bagagem inevitável amadurecimento. A dor se dispensa por sua própria conta, pelo cansaço em ser dor e não outra coisa. Devemos, assim, permitir que o tempo dissolva seu viço em nosso céu e desencrave sua raiz do nosso chão, deixando-nos finalmente expostos aos recomeços. Preciso é exercitar equilíbrio com paciência e resignação, a manter-nos uma vez mais em pé e continuarmos, ainda que mancos e desajeitados, nos primeiros novos passos nossos. Preciso é juntarmos os pedaços que ainda doem e no amor próprio voltarmos a fazer um inteiro de nós. Não é fácil: se conseguíssemos não afundar enquanto pelo medo nos agarramos às angústias e outros medos mais; se conseguíssemos praticar palavras que tão facilmente usamos para aconselharmos os outros talvez pudéssemos ver a alternância das estações que nos invernam e nos amanhecem, bem como o rearranjo das cores, dos amores, dos destinos e a inevitável vitória da cicatriz sobre as feridas. É uma pena que na maioria das vezes nos encontremos caindo dentro de nós mesmos; e desorientados na nossa lucidez, lutemos contra dores com dores maiores ainda. À beira do precipício mantemo-nos mais atentos à queda do que à glória das asas. Atentamo-nos no que seria e não no que poderá ser; projetando futuro que morreu no passado; repetindo passados com medo de errar no futuro. E boicotados, sentimo-nos um vaso rachado condenado a nunca mais matar a própria sede.

Guilherme Antunes

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